ATENÇÃO: O texto a seguir possui spoilers do último episódio de The Good Place.
Caso não tenha visto a série: assista, me agradeça por ter falado dessa série perfeita, e volte aqui pra sofrer o luto que nós, fãs da série, estamos sofrendo agora que acabou.
The good place começou com uma proposta interessante: Eleanor Shellstrop (Kristen Bell) chega ao Good Place, ou Bom Lugar, e percebe que está lá por engano. Assim, pede ajuda para Chidi Anagonye (William Jackson Harper), professor de filosofia moral, para aprender a ser boa e se manter no paraíso, em vez de descer para o inferno. Logo a nossa protagonista moralmente duvidosa vai aprendendo sobre grandes pensadores: Sócrates, Platão, Aristóteles, Beyoncé (ela é bastante presente na série), e busca melhorar. Assim nasceu uma das melhores séries de comédias já feitas.
Ao longo dos episódios conhecemos Jason-Jianyu, a irmã de Kamilah (era Tahine? Tahani?) Al Jamil, Eleanor e Chidi. Nosso quarteto formado, acompanhamos por 4 temporadas sua construção de caráter junto à Michael e Janet (not a girl). E essa última temporada, ao mesmo tempo que abraça, nos dá diversos socos no estômago mostrando a humanidade.
Última temporada se consolida como uma das melhores temporadas da série
Se a primeira temporada é perfeita por um roteiro extremamente sem furos e um plot twist excepcional, a última temporada possui um roteiro mergulhado na filosofia existencialista e em questões como a mortalidade, que nós, humanos, carregamos durante a vida inteira independente de idade.
A primeira metade da temporada focada na tensão entre Michael e Shawn para provar que há de fato falha no sistema para convencer a hilária juíza (obrigada, Maya Rudolph) de mudar os critérios do Good Place (e depois de não acabar com a humanidade, mesmo que, sim, dê vontade às vezes), e a segunda metade bem densa em filosofia, tratando inclusive da motivação do humano para viver (a certeza da morte) com certeza tocou no coração de todos os espectadores, até os menos sensíveis a temas pesados. A temporada navega por temas no mínimo difíceis de abordar. Discussões sobre o sistema punitivo na vida real podem ser usados como paralelo quando Chidi cita filósofos para provar porque o inferno é desproporcional.
Gancho para último episódio com ar melancólico
Quando Lisa Kudrow aparece, familiarizada com Phoebe Buffay, achei que ela seria apenas um alívio cômico temporário, mas, apesar de arrancar risadas, a personagem demonstra uma preocupação real: a falta de motivação em uma vida eterna. Nós não fomos projetados para viver eternamente (por deus, se isso não causou uma crise existencial em você, me ajude pois em mim causou). Assim, o paraíso se mostra falho, pois a essência humana é movida pela mortalidade. – CRISES – . O sistema então elaborado após essa descoberta se mostra perfeito, e nos levam para o último episódio com uma certeza: nossos personagens irão eventualmente passar pela porta que adentra a finitude da vida humana. É nesse clima que escrevo também para me despedir da série.
Grande evolução dos personagens
O indeciso Chidi se torna a peça essencial para recriar o pós vida, a egoísta Eleanor dedica seus últimos dias da pós vida ajudando pessoas como Mindy StClare e Michael,
o inicialmente estereótipo do ‘‘burro de Jacksonville‘‘ Jason, sem perder sua inocência e doçura, busca sempre ajudar os amigos, inclusive fortalecendo seus laços com Chidi, e a socialite egocêntrica Tahani se resolve com a família e busca ajudar os outros. Ao longo de 4 temporadas, Schur e toda a equipe criativa da série criaram jornadas humanas reais, além de demonstrar que muitas vezes, pessoas não conseguem ser ‘‘boas‘‘ pela dificuldade da vida.
Chidi chega a dizer à Eleanor diversas vezes que ela passou por dificuldades enormes e que deveria parar de se culpar por ter sido ruim em certos cenários – a vida tampouco foi boa com ela. Jason nunca teve uma família estruturada e vivia em condições desumanas. Como medir a bondade de pessoas que não tiveram bondade na vida?
E, finalmente, o final
Após todas essas pontuações, que se desenvolveram ao longo mais de 50 episódios, chegamos ao final. Arrisco dizer que foi um dos melhores finais que já vi. Coerente, emocionante e com a atmosfera de despedida. É impossível imaginar outra forma de acabar a série além da que terminou. Michael, literalmente um demônio, sempre foi fascinado por humanos e chega à ter uma crise existencial durante a série (um dos melhores episódios). E aos poucos ele começa a deixar evidente o quanto ama a humanidade, sendo algo que Shawn diz: você ama todos esses humanos. Então não consigo enxergar outra forma de encerrar a jornada de Michael – lembra quando ele recebeu o prêmio de humano honorário? – além de ele mesmo conseguir finalmente experienciar o que é ser humano. E Eleanor resume bem quando Janet se questiona sobre como ele deve estar:
Acredito que esteja fazendo a mesma coisa que todos os humanos. Alguns dias bons, alguns dias ruins. Ele tem alguns amigos, algumas pessoas que ele não suporta. Ele está aprendendo coisas sozinho. E, pedindo ajuda quando necessário. Ele está errando e tentando de novo, e errando de novo, e depois pisando na bola com as coisas e tentando consertar. É o que todo mundo faz.
É com seu roteiro simples mas profundo, personagens carismáticos e questionamentos que todo mundo já fez na vida que the good place consegue se consolidar como uma das melhores séries de comédia, e, com certeza, futuramente virá a ser referência- uma série que é intrinsicamente humana, que toca em cada um de nós, porque, apesar de todas as reviravoltas, ela volta à apenas de uma coisa: a humanidade. Pode não fazer tanto alarde hoje, mas como outras séries do próprio Michael Schur, virá a se tornar imortal.