O problema da falsa representatividade

Uma das pautas mais atuais é a questão da representatividade na mídia. Seja em mídias como o cinema, video game ou até mesmo em livros, cada vez mais a demanda por uma representação real da sociedade vem crescendo. E isso é maravilhoso, porque as empresas – que nós sabemos que não se importam com nada além de lucro – começam a tentar alcançar esse público que está cobrando, para conseguir exatamente uma visibilidade maior. Como mulher, vou tentar focar esse texto na representatividade feminina, e discutir algo que venho sentindo por um tempo: a falsa representatividade.

Uma das mudanças mais significantes nessa análise da representatividade foi o Teste de Bechdel. O teste de Bechdel questiona se uma obra de ficção possui pelo menos duas mulheres que conversam entre si sobre algo que não seja um homem. O teste é de fato importante, porém recentemente pesquisando filmes que passam no teste, me deparei com uma problemática. Filmes como O Último Tango Em Paris passam no teste, mas isso não torna o filme um filme representativo, principalmente levando em consideração que têm uma cena de estupro real no filme. E assim, percebi que alguns mecanismos, por mais que tentem, falham de certa forma em analisar o quesito da representatividade. Até porque, como sabemos, a representatividade vista nesse teste muitas vezes permanece como representatividade feminina branca – cisgênero – e rica, por exemplo. Portanto, acredito eu, que apenas o teste de Bechdel não seja mais algo visível na sociedade atual, não vem sendo por um bom tempo. Portanto, precisamos buscar alternativas, para representar de fato a realidade, e não apenas uma parcela privilegiada das mulheres.

Trecho da tirinha da criadora do teste

Alem do teste, algo que me deparei foi a necessidade das empresas de lucrar e portanto não de fato buscar a representatividade, e sim cenas grandiosas que seriam emocionantes.

Vingadores: Ultimato (2019)

Um bom exemplo disso é a cena totalmente feminina em Vingadores: Ultimato. A cena em si é bonita, porem particularmente não me causou emoção por um simples fato: Em sua maioria, nenhuma dessas personagens se conhecem e elas mal tem falas no filme. Elas somem durante o filme inteiro para aparecer depois e a empresa dizer GIRL POWER e postar no instagram, mas na realidade nós sabemos que para a própria marvel fazer um filme solo de uma super heroína demoraram grandes 10 anos. Além de que a única personagem feminina até então existente, a nossa querida Natasha Romanoff, servia mais como um ícone sexy do que representatividade de fato (e ela nem está nessa cena toda feminina, o que nos levaria a outra discussão sobre o desrespeito à personagem.) E é aí que eu entro no meu outro ponto: como essa representatividade é feita.

Sim, de fato, a viuva negra existe desde o inicio do MCU, porem sem nenhum arco e desenvolvimento pessoal alem de servir como par romântico para os personagens masculinos e flertes e closes sensuais. Isso é de fato representatividade? Meninas vão de fato se espelhar em algo assim? Vários pôsteres dos filmes a Natasha é a única com poses surreais e closes na bunda, por exemplo. A conclusão é que as personagens femininas foram escritas por homens, para homens. Não para nós, mulheres. Então eu repito: essa representatividade não adianta de nada se ela não é voltada para nós e sim para a diversão e sexualização para o público masculino. Usei a Natasha como exemplo porque é o que acredito que esteja mais em alta, porém podemos dar inúmeros exemplos na história da indústria de filmes e até mesmo HQs. Quando eu li as HQs antigas algo que me incomodou fortemente foi a sexualização das personagens femininas. A Carol Danvers na sua época de Miss Marvel por exemplo era tão sexualizada que para mim foi até um pouco maçante ler seus quadrinhos. Felizmente houve a mudança, principalmente com a Kelly Sue.

É por isso que filmes como Mulher Maravilha (dirigido inclusive por uma mulher, o que é importantissimo), Capitã Marvel, Homem aranha no aranhaverso e o próprio shazam!, lançado esse ano são tão importantes. Filmes com representatividade real, e não para entreter os privilegiados.

Não adianta ter um filme sobre mulheres se o público destinado é homens que buscam ver mulheres sexualizadas de forma excessiva e desnecessária. É necessário que haja uma cobrança por nós de uma mudança em toda a estrutura criativa, porque não adianta que haja uma representatividade em um filme só e o resto dos filmes da franquia continue sexualizando, que existam assediadores ou abusadores no comando das empresas, e por aí vai. No meu texto foquei na representatividade feminina porque sou uma mulher, porém existem várias representatividades que precisamos cobrar: a negra, a lgbt, enfim. E repito: é necessário mudar toda uma estrutura de poder, porque não adianta que tenhamos um filme como pantera negra, por exemplo, e atores do mesmo estúdio sejam racistas. Por isso que precisamos ficar atentos cada vez mais, e distinguir: o que é representatividade de fato e o que é apenas algo para cumprir obrigações.

Assim, finalizo com a reflexão de Lin Manuel Miranda, o criador do musical Hamilton.

HAMILTON (MUSICAL)

Quando perguntado sobre o motivo de ele colocar um elenco diverso em um musical histórico (a história sobre o primeiro tesoureiro e pai fundador dos EUA), Lin respondeu: Estou contando a história dos EUA de ontem, com os EUA de hoje.

O mundo muda, e as demandas por representatividade aumentam. É necessário acompanhar esse fluxo e ter certeza de que cada um de nós sinta se representado.

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