Vamos concordar que não é muito fácil escrever algo original e bom em meio a tantos lançamentos de filmes de terror com a mesma temática e os clichês habituais. É raro encontrar um projeto que, mesmo se utilizando de uma temática batida e alguns artifícios comuns, se torne algo original e surpreendente. Felizmente, isso acontece com O Telefone Preto.
Inspirado no livro de mesmo nome escrito por Joe Hill, filho do lendário Stephen King, a história acompanha Finney, um garoto de 13 anos que tem sua vida transformada após ser sequestrado por uma figura misteriosa que anda roubando garotos de suas famílias em uma cidade estadunidense em 1978. O projeto da Blumhouse foi muito elogiado e ficou famoso por ter 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, o que é completamente justificado.
(Divulgação Universal Pictures)
Quando analisamos o perfil técnico do filme, como a direção de Scott Derrickson, entendemos a razão do filme ser tão esperado e gerar tanta expectativa nos amantes de terror. Derrickson foi o responsável por comandar O Exorcismo de Emily Rose, um dos filmes mais lembrados dessa temática e A Entidade, considerado em um recente estudo como o filme mais aterrorizante de todos os tempos. É impossível não sentar no cinema esperando algo tão grandioso quanto os últimos. E eu posso dizer que recebemos tudo o que esperávamos.
Acredito que um ponto importante em filmes de terror é a capacidade do roteiro nos fazer sentir empatia pelos personagens. Afinal, porque se preocupar com o destino do protagonista se não sentirmos medo de perdê-lo? Se não entendermos suas dores e o que move suas ações? O Telefone Preto consegue nos aproximar do protagonista (e sua família) quase que instantaneamente. Particularmente, fui assistir ao filme sem ter nenhum contexto. E essa experiência foi incrível, já que quando Finney é levado pelo Sequestrador, desejamos que o menino saia dessa emboscada são e salvo.
(Divulgação Universal Pictures)
Falando dos personagens, não dá para falar de O Telefone Preto sem falar de Ethan Hawke. É bizarro o quanto esse homem entrega uma atuação fantástica, mesmo que todo mundo saiba do seu talento. E mais impressionante ainda é que seu personagem permanece de máscara (uma bem assustadora, diga-se de passagem) o filme inteiro e, ainda assim, conseguimos sentir o seu medo, sua bizarrice, alegria, irritação e tristeza, tudo através dos pequenos buracos presentes nos olhos da máscara. Ele, junto com Mason Thames interpretando Finney, são o trunfo do filme.
O Telefone Preto não precisa de cenários mirabolantes para entregar um terror de verdade. A história se passa inteira em basicamente três ambientes, mas a ideia de ficar preso em um porão já é realista o suficiente para assustar qualquer um. As motivações do Sequestrador nem mesmo são ditas, reforçando o fato de que algumas coisas não podem ser explicadas, elas apenas são como são. Até mesmo as pessoas perturbadas, como ele. E a ideia de um telefone, que teoricamente não deveria funcionar, tocar o tempo todo traz um sentimento de desespero e claustrofobia, somado ao fato de que a ameaça aqui não é sobrenatural e pode acontecer em qualquer cidade, com qualquer pessoa, até mesmo o seu vizinho.
Quer dizer, a ameaça não é sobrenatural. Mas ainda assim, Derrickson acrescentou alguns artifícios voltados para essa vertente. Sejam elas as ligações vindas do telefone misterioso ou a sensitiva irmã de Finney, Gwen (Madeleine McGraw), que é uma grata surpresa.
Em resumo, O Telefone Preto não traz um roteiro propriamente inventivo, mas a maneira como todas as informações dadas lentamente ao espectador chegam a um plano final que vai te deixar na ponta da cadeira, a atuação de Mason e Ethan e o jogo de gato e rato de seus personagens, o ar de suspense investigativo e a resolução surpreendente transformam a experiência cinematográfica em algo muito maior do que o esperado. Um filme de terror e suspense que não vai te deixar com o coração acelerado por conta de jumpscares, mas sim porque sua aura te deixará com medo de virar a próxima esquina e encontrar uma van preta. O que eu espero é que mais filmes como esse cheguem ao grande público, subvertendo as expectativas e se apoiando em medos da infância para fazer muito adulto roer as unhas.