CRÍTICA: Given

Given, dirigido por Hikaru Yamaguchi, originado no mangá homônimo de Natsuki Kizu, finalmente teve seu lançamento mundial por meio da plataforma digital crunchyroll.

Esse filme foi um aguardo. Para quem lembra, coloquei ele na lista de animes para 2021, e era uma das estreias que mais me deixavam ansiosa.

Contei os dias, horas e minutos para assistir. Quando finalmente assisti, a sensação de casa, de conforto, que só given passa voltou. Como eu amo given! Vamos para a review. Desde já aviso que terão spoilers, então recomendo que você tenha assistido ao filme!

Enquanto a primeira temporada do anime é focada na relação dos protagonistas adolescentes (Mafuyu e Uenoyama), o filme é focado no trio adulto da história: Haruki, Akihiko e Ugetsu.

A noite amanhece

Uma das coisas que mais me encanta em given, desde quando assisti ao anime e principalmente depois que li o mangá, é a capacidade da autora em desenvolver pessoas de formas tão complexas e palpáveis. Ninguém ali é perfeito, ninguém ali é 100% falho. Todos são de fato um espelho da complexidade humana – desde a primeira temporada, o processo de luto do Mafuyu, a dificuldade de diálogo do Uenoyama, given realmente consegue demonstrar a complexidade das relações humanas – não é tão dicotômico como a ficção normalmente nos mostra.

Imagem: Given

Então, vamos falar sobre o casal #1 desse filme: Ugetsu e Akihiko. Ugetsu e Akihiko se conhecem desde adolescentes, e começaram a se relacionar desde então. Ambos violinistas, uma relação que era para ser de uma rivalidade saudável, virou um relacionamento abusivo e co-dependência – Akihiko, dependente financeiramente, fisicamente, emocionalmente, e Ugetsu, sempre solitário, dependia emocionalmente e não queria se soltar de Akihiko. Mesmo quando Ugetsu percebe que o que acontece entre os dois é saudável, pede para terminarem, nenhum dos dois consegue de fato se mover para sair do relacionamento em que estão – afinal, são anos de um ao lado do outro.

Assim, encontram-se em um relacionamento desgastado, em que ambos estão lá por acharem que não conseguem dizer adeus. Ambos sabem o quão doloroso é, o quão tóxico é.

”Com Akihiko, eu deixo de ser livre na música. E para Akihiko, minha existência é sofrimento.” – Ugetsu Murata

Imagem: Given

Ugetsu percebe que não consegue dar seu 100% na música enquanto estiver com Akihiko, e nesse processo, precisa aceitar sua solidão. Precisa lidar com si mesmo, quem nunca ousou enfrentar. Nesse momento, Mafuyu aparece como uma ponte. No início do filme, Mafuyu vê Ugetsu tocando em um concerto e percebe: quer escrever uma música, a música é capaz de cantar o que você não consegue expressar por palavras. O violinista se torna uma inspiração – de gênio para gênio, rs – para Mafuyu. Assim, Ugetsu finalmente consegue contar sua história para alguém:

”Eu precisava que alguém me entendesse. Nem que um pouco.”

E assim, nasce a letra de Yoru Ga Akeru, música cantada no show do filme, em que Mafuyu utiliza a história de Ugetsu e Akihiko como inspiração. Como Uenoyama diz, nosso querido Mafuyu utiliza-se de situações da vida real para compôr, e sua primeira música (Fuyu No Hanashi) era sobre ele, agora é sobre um amigo que precisava desse conforto. A cena do show é linda, principalmente porque percebe-se o desejo de Mafuyu de que a música alcance o coração que ele quer alcançar:

”Mesmo que não consiga dormir o dia irá amanhecer
E eu estou olhando isso acontecer do outro lado da parede
As coisas mudando, as coisas acabando
As coisas começando
Mesmo sem ter você aqui posso continuar vivendo
E é isso que me entristece” 

Imagem: Given

A letra diz: sei que você tem medo de dizer adeus, mas o dia ainda irá amanhecer. Não precisa ter medo, o sofrimento – Mafuyu sabe bem – dói, mas vai se diluindo. Essa letra é absurdamente linda, tocante. E Shintaro Asanuma (voz de Ugetsu) fez um comentário belíssimo sobre seu personagem, que deixo aqui um trecho:

”A fala ”Não há dia que não amanheça” é muitas vezes utilizada para consolar alguém, mas ”Mesmo sem conseguir dormir, a noite irá amanhecer”… isso é algo cruel, doloroso, sofrido… e também é uma salvação. Mesmo alguém forte, alguém desajeitado… todos só querem ouvir de alguém uma palavra de que está tudo bem.” 

Mafuyu, que apesar de ser coadjuvante nesse filme, possui uma função gigantesca: ele é quem passa a mensagem que o casal precisava para finalmente dizer adeus.

Imagem: Given

Akihiko desde que conheceu Ugetsu perdeu sua paixão pela música, começou a se sentir péssimo em tudo que se propunha a fazer, começou a sentir que não possuía valor – tanto que, como ele mesmo diz, sempre se colocou como um objeto, como alguém descartável, fez coisas de que tem vergonha – e esse ódio contra ele mesmo, eventualmente se projetou não apenas no gênio violinista mas em todas suas relações pessoais, inclusive com Haruki.

Assim, encontramos nosso casal protagonista da trama #2: Haruki e Akihiko. No começo do filme, encontramos um Akihiko morando em uma casa pouco iluminada, em uma vida escura – a fotografia do filme nessas cenas utiliza-se de tons mais tristes, azulados, as expressões e voz do personagem estão mais tristes, retraídas. Akihiko passou a vida inteira acreditando que não servia para nada – o seu relacionamento abusivo com Ugetsu aumentou isso exponencialmente. E chega ao ponto de ele jogar todas suas frustrações em uma das pessoas que ele mais se apoia: Haruki. E esse é o ponto de divisão do filme, em que finalmente Haruki confronta Akihiko. Haruki sempre se retraía, se apagava, se considerava substituível e não merecedor de estar onde estava (na própria banda, como ele relata). E o conflito dele com Akihiko força ambos a saírem de sua zona de conforto e confrontar si mesmo e o outro.

Imagem: Given

E assim o filme acompanha a jornada de meio ano (do outono à primavera) dos dois, desde quando se apaixonaram, até finalmente se entenderem e se tornarem pessoas que podem construir um relacionamento – afinal, se não houvesse um ponto final entre Ugetsu e Akihiko, Haruki confrontando e finalmente conhecendo o verdadeiro Aki, o relacionamento começaria cheio de falhas e não daria certo – assim como Mafuyu precisou se libertar de Yuki para aceitar seus sentimentos por Uenoyama, Given mostra mais uma vez que o luto – seja pela morte, seja pelo fim de um relacionamento – precisa ser vivido para que a noite amanheça novamente, as flores floresçam, e um novo capítulo recomece.

Algo que me encanta demais em given – e isso por si só renderia um texto – é como a autora utiliza as estações do ano para expressar cada personagem: Haruki (, que é primavera) e Akihiko (, que é outono), são estações do ano completamente opostas (assim como Mafuyu/inverno e Ritsuka/verão). E eles precisam passar por um processo interno antes de ficarem juntos: é aqui que mora a questão.

Assim, na cena final, as cerejeiras caindo – flores que significam a natureza efêmera da vida, recomeço… sendo a primavera a estação das separações e novos encontros. Não haveria outra forma de terminar esse filme.

”Eu me apaixonei em um certo dia do outono. Essa é uma história comum de amor, de um dia comum de primavera.”

Imagem: Given

Ah, e mais uma coisa: para quem tem interesse em se aprofundar na história narrada pelo filme – que infelizmente teve seu tempo cortado para apenas 1 hora – recomendo muitíssimo a leitura do mangá. Ele aprofunda bem mais no que se passa dentro de cada um dos personagens, e possui algumas cenas que infelizmente tiveram que sair do filme (e aí fica a sugestão para fazerem uma segunda temporada com essas cenas, rs). O mangá de given é publicado no Brasil pela editora NewPop, e você pode encontrá-lo aqui.

 

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4 Comentários

  1. Parabéns pela sensibilidade da sua reseha! Gostei muito de você ter ressaltado o aspecto da autora mostrar todos como humanos com suas falhas e acertos. Também gostei da relação com as estações e a importância do Mafuyu.
    Abraços

  2. Incrivel eu já falei sobre Given e o casal haruki e akihiko basicamente da mesma forma que voce, o jeito como a moradia de Ugstsu era representada num subsolo escuro para mim tem muito a ver com onde akihiko estava na vida, vivendo de forma viciada numa relação toxica sem coragem de sair para a superficie e quando ele vai morar com haruki eles estão no topo de uma varanda observando os fogos que ele nunca antes tinha visto, como se aquilo tudo fosse uma nova descoberta. Até mesmo o quase abuso que ele cometeu com haruki pra mim tinha um fundo de desespero ao pensar que ele era descartavel pra Ugetsu e agora se sentia afastado por Haruki que estava escondendo coisas dele, ele sabia que Haruki gostava dele mas sentia como se ele também o estivesse jogando fora. Achei o filme fantastico e a historia deles é muito complexa e de certa forma pra mim Akihiko sempre amou Haruki apenas nao tinha se dado conta disso ainda

  3. eu amei essa resenha! não tava entendendo muito bem o relacionando do akihiko com ugetsu, e lendo essa resenha conseguir entender perfeitamente! 💗

  4. Ahhh, Given. Conheci primeiro o anime e foi aquele amor arrebatador!!! Conheci o anime neste ano, de 2023, e, para minha profunda tristeza, descobri que a banda responsável pela trilha sonora, Centimillimental, veio ao Brasil em dezembro de 2022 e eu perdi. Tomara que tenha outra oportunidade e, certamente, não irei perdê-la! É um profundo vício: anime, mangá, as músicas e, inclusive, o live action. É tudo maravilhoso e encantador. Desperta sentimentos e emoções de uma maneira única, delicada e verdadeira. Concordo que precisamos de alguns “extras” com as partes que ficaram de fora do filme!!! Amei a resenha, grata!!

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