CRÍTICA: Matrix Resurrections é a pílula vermelha que precisávamos

Foto Matrix Resurrections

Se você acha que o legado das irmãs Wachowski não pudesse surpreender mais o público após 18 anos desde o Revolutions, está muito bem enganado. Matrix Resurrections veio para renovar o que foi nos apresentado sobre o tema na trilogia e provar que uma sequência vinda anos mais tarde, possa ser necessário também para ter o fechamento que merece.

Em 1999, o lançado Matrix das irmãs Wachowski surpreendeu ao público por trazer na tela grande um assunto que muitos acreditam até hoje que possa estar coexistindo: de que estamos dentro de uma grande simulação (uma realidade virtual para ser mais específica), onde nós humanos estamos vivendo nossas vidas normalmente enquanto que as máquinas produzem energia através da nossa mente, através dessa simulação. Além do tema, Matrix trouxe para o cinema o que é (a grosso modo) ficção científica, a revolução do que foram os efeitos visuais na época, como a cena bullet time é um grande exemplo disso e não é a toa que está listada como uma das melhores cenas de todos os tempos e claro, a questão da própria tecnologia, onde as máquinas possa substituir os humanos, algo que atualmente acontece em algumas empresas.

Dentro de todo esse conceito, temos Thomaz Anderson que possui vida dupla: de dia é um programador para a companhia de software Metacortex, a noite é o hacker chamado Neo. Thomas aka Neo começa a levantar dúvidas sobre a realidade que vive e que depois, acaba despertando para o mundo real e descobrindo que ele seria o Escolhido, aquele que libertaria os humanos das máquinas e acabar a simulação.

Em 2003, Matrix retorna com Reloaded e Revolutions, o que seriam os últimos filmes da saga com Neo (sendo o Escolhido) acabando com a guerra entre máquinas x humanos e consequentemente a grande história de amor com a Trinity, sendo encerrada ali. Isso queria dizer que as muitas perguntas que teríamos ao encerrar o último filme de Matrix acabariam ali? Não, justamente porque as irmãs Wachowski haviam deixado muitas pontas soltas sobre a saga e talvez uma pontinha de esperança para um possível filme futuro.

Sinal verde da Warner Bros e em 2021 ressurgiu a saga Matrix Resurrections depois de 18 anos do último filme com o retorno de Lana Wachowski (que produziu e dirigiu sozinha dessa vez, sem a irmã Lily), Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Jada Pinkett Smith e Lambert Wilson e novos adições no elenco como Yahya Abdul-Mateen II, Neil Patrick Harris, Jessica Henwick, Priyanka Chopra Jonas, Jonathan Groff,  Max Riemelt, Brian J. Smith, Eréndira Ibarra e Toby Onwumere, sendo os 4 últimos atores conhecidos pela série Sense 8, criação das irmãs Wachowski.

Muito se especulou se Matrix Resurrections seria um reboot ou uma continuação, mas já deixo claro que é a segunda opção. Aqui (depois de anos) foi respondido o que havia acontecido com o Neo em Revolutions e como ele está agora, já que a guerra entre máquinas e humanos havia acabado diante da profecia, mas e depois? Como ficaria o pós trégua? É isso que vimos aqui e muito mais camadas sobre Matrix do que já conhecemos na trilogia original.

Thomas Anderson é o designer de videogames que criou toda essa trilogia de jogos que revolucionou a cultura pop. A escolha entre manter-se na fantasia ou encarar o mundo real, o sistema de controle que mantém a humanidade em cativeiro, o efeito especial bullet time – tudo isso é invenção de Thomas, que agora vive por trás dos holofotes. Com a pressão de seu sócio, Thomas é sujeito a trabalhar em mais uma criação –  a sequência da trilogia de Matrix, mas agora com a Warner (sim, o estúdio) sendo a empresa investidora por trás e já deixando claro “vai acontecer a continuação, com ou sem nosso envolvimento”.

E isso que faz de Matrix Resurrections o filme do ano para a autora.

É muito incrível como a Lana Wachowski elevou o conceito Matrix em algo muito mais além do que as irmãs Wachowski nos mostraram na trilogia, mas claro, sem deixar de lado os anteriores e trazendo para nós um ar de nostalgia e ao mesmo homenagem, deixando bem claro que o enredo dos 4 filmes é coeso no que a história proporciona dentro do universo Matrix. O quarto filme além da coesão da história e um roteiro ambientado na atualidade, ela faz com que o espectador fique muito mais engajado no que está acontecendo durante o filme, nos deixando com uma expectativa bem alta e que quando acontece algum plot twist, há uma confusão que instiga a ficarmos mais ainda querendo resolver aquele quebra-cabeça. E é muito bem resolvido viu? Você acha que já viu de tudo em Matrix, mas ele consegue se sobressair ainda mais!

Por ser ambientado na atualidade, celulares, bots, videogames são alguns elementos que integram nesse filme e que fazem diversas analogias, como por exemplo estarmos “submersos e presos” dentro do mundo virtual de cada uma delas ou de “espalhar fake news” no cenário político social – q que não é mentira, já que à medida que queremos estar mais conectados, estamos à mercê da tecnologia, sendo para trabalho, entretenimento ou discurso de ódio.

Na época, a tecnologia que a saga trouxe foi uma revolução falando principalmente no quesito de efeitos especiais, além de questões como simulação e de certa forma, a questão de gênero com a binaridade indiretamente, mas tudo é diferente agora. Nada disso é novidade agora e Lana abusou – mas na dose certa – desses temas, principalmente da binaridade que na época não era falada (visto no quesito preconceito).

Binaridade aqui é falada abertamente e porque binaridade em Matrix? Para quem não sabe, Matrix é uma metáfora sobre aceitação e transição de gênero (algo pessoal das irmãs Wachowski e confirmada por uma delas, a Lily): Neo tem disforia, a Matrix é o binário de gênero e para ser mais clara nessa transição, isso acontece quando há a transição de Thomas A. Anderson, identidade pela qual é conhecido até aquele momento, para Neo, aquela que ele esculpe para si mesmo. O Agente Smith? Seria a transfobia. Se você reparar ele se refere a Neo como seu apelido morto, Sr. Anderson, com uma ênfase no “senhor”. Aqui a binaridade não é apenas exclusiva do gênero, mas também das escolhas que fazemos. Você não tem necessariamente dois tipos de opções, pois já teve a sua escolha, te levando a um destino que pode mudar tudo.

Embalados de teorias, críticas sociais, cenas de ação, ainda há espaço para o amor, que aqui é o estímulo de Neo, transformando em uma jornada mais pessoal do que salvar a humanidade propriamente e claro que os personagens em volta de Neo vão ajudá-los a (re)encontrar esse amor. Há alguns clichês no roteiro? Há sim, mas a diferença é a forma como esses clichês são colocados e nos quais são influenciados pelo que está acontecendo naquele momento.

Tivemos um elemento que jamais vimos na trilogia original: o humor. Falar de humor atualmente, é um área delicada pois relacionamos com filmes de herói (não que aqui não seja) da Marvel Studios, mas diferente desses filmes onde o humor é colocado em momentos que não precisavam ser colocados, o humor aqui é bem colocado e não é exagerado. Mencionei mais cedo que a Warner Bros é citada como a empresa de estar encabeçada da nova criação de Neo e é por aí que o humor é levado, com auto referências de estúdio, de cenas como bullet time, dos fãs, personagens, o que é real e o que é fantasia e referências de frases de efeito.

As teorias que permeiam esse universo sempre estão na saga e aqui não é diferente! Respostas não se limitam apenas no que aconteceu com Neo no final de Revolutions, mas na saga inteira – o que é MARAVILHOSO! O que você acha que é de fato acontecendo, em outra cena muda completamente o enredo e solta alguma ponta que te deixa questionando até o que você está assistindo.

A tecnologia evoluiu muito desde aquela época e aqui é usada constantemente. Ainda existem as cenas de bullet time e mais efeitos especiais ambiciosos – como por exemplo personagens virarem aos 180 graus em uma cena de tiroteio e novos personagens que são essenciais para que a trama engatilhe até seu final – e é bem impressionante você comparar como a tecnologia evoluiu do primeiro filme até esse último. As cenas de ação são de tirar o fôlego, muitas explosões, combate corpo a corpo com cenas de lutas bem coreografadas e elaboradas – isso deve-se ao fato da equipe de dublês ser comandada por Chad Stahelski (guardem esse nome), diretor dos filmes de John Wick.

Agora falando de elenco… QUE ELENCO! O comeback dos principais atores dessa história toda voltarem, mais velhos, e coincidentemente refletirem sua idade com o que a história do filme se propõe, é algo inesperado e bem nostálgico. A química que Keanu e Carrie Annie-Moss tem é impressionante e mais ainda que depois de muitos anos, ela se mantém. Por ser mais uma jornada pessoal de Neo, o personagem teve mais camadas e bem desenvolvido, fazendo com que entendemos a sua motivação e o sofrimento que ele estava passando, mas agora se você espera muito mais de Trinity, eu sinto muito, mas das cenas que ela aparece, é O MOMENTO, em específica em uma cena #spoiler. Não é a toa que a personagem é uma querida – e digo ainda mais do que Neo. Jada Smith também retorna como Niobe, mas uma Niobe muito mais madura, que faz o que puder para proteger o seu povo. Ela está em

A nova adição de elenco não deixa a desejar também! Muitos estavam apreensivos com Yahya Abdul-Mateen II interpretar o jovem Morpheus, personagem interpretado por Laurence Fishburne na trilogia original, porém podem ficar despreocupados. Aqui Yahya interpreta com maestria e traz uma personalidade interessante com maneirismos únicos para Morpheus. Precisaria trazer Morpheus? Precisaria, pois no filme ele também possui um novo capítulo em sua jornada e é explicado muito da motivação que o moldou como aquele que estava atrás do Escolhido.

Mas foi a Capitã Bugs interpretada por Jessica Henwick, que me cativou muito. Desde a primeira cena dela, ela é basicamente a visão do espectador diante de toda a saga. As perguntas que temos, ela tem. O que poderíamos fazer naquele determinado momento, ela faz. O porquê daquela escolha ter sido feita, ela questiona. Tanto Bugs, quanto Jessica, foram pontos EXTREMAMENTE positivos e que, se por um acaso tiver mais um filme, torço para que ela(s) tenham muito mais espaço no futuro.

Neil Patrick Harris interpreta o Analista e esse personagem em específico me deixou de boca aberta em uma cena. No começo você não da nada para ele, mas depois você percebe que ele é realmente uma peça chave da trama. A interpretação de Neil Patrick é magnética e te faz até relembrar um pouco os maneirismos de Barney Stinson, de HIMYM. Jonathan Groff interpreta Smith, que dos poucos que apareceu, convenceu do que foi proposto e você pode até imaginar quem ele interpreta – mas não espere muita coisa do personagem, pois a essência está ali, mas algo está mudado e para quem não se lembra, aconselho rever Revolutions.

Matrix Resurrections traz de volta algo brilhante, sem medo de abusar da nostalgia, dos elementos narrativos científicos que nós tanto amamos e das críticas sociais que, querendo ou não, são super necessárias tê-las na atualidade. Multiverso atual? Matrix já fazia isso desde 1999, mas o retorno do multiverso de Matrix agora, deu mais um gostinho de quero mais para além da ficção, do cinema. Talvez estudar a Teoria da Inflação Eterna? Seria possível.

Pílula vermelha ou pílula azul? A escolha já foi feita e os rumos que ela irá tornar, não saberemos – exceto de que você poderá passar por um perrengue no próximo ano em uma urna de votação, mas isso é assunto de outra hora. Basta você acreditar que isso não será possível.

Ah! Temos uma cena pós-crédito, rs.

Matrix Resurrections já está em cartaz nos cinemas brasileiros e em janeiro estará na HBO Max.

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