ANÁLISE: O que as premiações de HQs nos mostram sobre o mercado nacional

As premiações nacionais podem ser grandes termômetros para analisar o mercado editorial em cada momento. No mês passado publicamos aqui o Geek & Feminist um texto especificamente sobre HQ e Literatura de Entretenimento no Prêmio Jabuti. Hoje, após a divulgação de todos os vencedores do HQ Mix e do Jabuti 2020, retomamos o tema para entender mais especificamente como andam os quadrinhos brasileiros.

Não é surpresa para ninguém que acompanha os lançamentos que a história sobre raízes familiares Roseira, Medalha, Engenho e Outras Histórias era um grande favorito. Não é para menos que Jefferson Costa (que levou o Jabuti 2019 por Jeremias – Pele juntamente com Rafael Calça) recebeu três prêmios: Desenhista Nacional, Novo Talento Roteirista e Edição Especial Nacional. Jefferson é um artista que despontou mais ainda após sua participação no selo Graphic MSP e é impressionante o que ele entrega em seu primeiro material como roteirista. A importância que um artista como ele está tomando na esfera nacional é essencial, afinal é um homem negro, falando sobre brasilidade e ancestralidade – inclusive estes também são temas do recém lançado Jeremias – Alma, que vale a pena conferir.

A presença feminina entre os vencedores foi bastante relevante. Não só pelos números em si, mas pela temática das obras. Mulheres & Quadrinhos é uma celebração brasileira de representatividade feminina nos quadrinhos por si só; Gibi de Menininha 2 ganha pelo segundo ano consecutivo, concorrendo contra grandes nomes de publicações internacionais – e tira todas as dúvidas (se é que existia alguma) de que mulheres podem escrever e desenhar sobre qualquer coisa – nesse caso putaria e velho-oeste; Tina – Respeito coloca o assédio no mercado de trabalho em pauta em uma obra de grande circulação e com o respaldo da MSP; São Francisco é uma reportagem em quadrinhos que desloca o foco para histórias do sertão e do Rio São Francisco.

A comunidade LGBTQIA+ também marcou presença. Bendita Cura, de Mário César Oliveira, é outra vitória importante na categoria Web Quadrinho. Nela acompanhamos a história de um menino que é submetido pelos pais a diversos tratamentos para “curar” sua homossexualidade. Já Cartas Para Ninguém levou como melhor Projeto Gráfico e foi escrito e desenhado por Diana Salu, uma travesti. Mas a sensação que fica é que, neste quesito, ainda temos um longo caminho pela frente.

O grande destaque da premiação ficou por conta do prêmio Novo Talento Desenhista – revelado apenas durante a premiação -, entregue para Brendda Maria. Sua vitória é tão significativa pois além de ser o segundo ano consecutivo no qual uma mulher ganha a categoria (Melissa Garabelli ganhou pelo emocionante Saudade em 2019), é mais um importante passo para mudarmos o eixo territorial da produção nacional, que hoje é extremamente dependente do sul do país.

Já o prêmio Jabuti foi pela primeira vez para um quadrinho sem cunho social explícito. Ainda sim, Silvestre de Wagner Willian, pode ser analisado sob a perspectiva da relação do ser humano com a natureza e, também, com o desconhecido. É possível fazer paralelos entre a vida em sociedade e aceitação.

Analisar os vencedores do HQ Mix é quase como avistar um farol estando em alto mar. A significativa representatividade do prêmio nos mostra não só a importância de descentralizarmos as histórias em quadrinhos das mãos de sempre – homem, hétero, cis, branco e sudestino -, mas também o quanto a qualidade é elevada quando o fazemos. Infelizmente isso tudo acontece enquanto ainda nos afogamos em um mar digital de preconceito e absurdos que parece aumentar a cada dia.

Impossível esquecer o barulho que o ‘nerd reaça’ fez na época de divulgação de Tina – Respeito, por exemplo. Acusando a obra de ‘lacração’ antes mesmo de seu lançamento e disparando até hoje comentários absurdos de quem só pode estar alheio ao mundo a sua volta. Além disso, basta ir em praticamente qualquer seção de comentários de grandes portais que não precisa de muito para encontrar aqueles que ainda insistem em justificar seu conservadorismo com nostalgia.

Para estes, esperamos que sejam esquecidos onde estão: no limbo de caixas de comentários. Já em relação ao mercado de quadrinhos, nos cabe apoiar e incentivar cada vez mais artistas de fora do eixo. Afinal, nós só temos a ganhar boas histórias com isso.

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