RESENHA: Ressurreição, Liev Tolstoi

Ressurreição – Liev Tolstoi

Tradutor: Rubens Figueiredo

Editora: Companhia das Letras

Rússia pré revolução e uma análise do sistema criminal

Comecemos esse texto falando que foi meu primeiro contato com a escrita de Tolstoi. Lendo o prefácio, creio que tenha sido a escolha certa.

Publicado originalmente em 1899, Ressurreição é baseado na história que Tolstoi ouviu a partir de um diálogo com o jurista russo Anatóli Fiorodorovitch Kóni – o mesmo que o ofereceu dados para seu romance Os Irmãos Karamazov – sobre o caso de um jovem que, ao ser convidado para integrar o júri, surpreendeu-se ao descobrir que a julgada era sua antiga criada que ele havia seduzido e engravidado. A jovem se tornou uma prostituta, e estava sendo acusada de roubo. Ao se deparar com a antiga amante em tal situação, o jovem se sentiu culpado e propôs casar-se com a moça, que veio a falecer de tifo na prisão.

Tolstoi se emocionou com a história, pois ele mesmo, em sua juventude, seduziu uma criada na fazenda de um parente, que depois a expulsou de casa; ele mesmo tinha também um filho bastardo de uma camponesa em sua propriedade.

Assim, o autor escreve Ressurreição. A narrativa acompanha o príncipe Nekhliúdov, que precisa compor o júri de sua antiga criada e amante na juventude, Máslova. Sentindo o peso de suas ações no reflexo da vida da jovem, ele passa por um processo de questionar o sistema criminal. 

Sendo meu primeiro contato com a escrita de Tolstoi, estava bastante curiosa, pois é um dos grandes russos. E encontrei uma análise bastante atual do sistema criminal.

Maslóva é uma prostituta. Foi abandonada por seu grande amor na juventude, grávida e com pouquíssimo dinheiro. Sua trajetória dolorosa tem fim no sistema criminal. E sua história não é rara. Maslóva, a jovem que o jurista contou a Tolstoi, a própria amante de Tolstoi… era quase regra que os homens tivessem na juventude relações com suas criadas para apenas as jogarem fora – como objetos, mesmo – depois.

Mas o que fazer? É sempre assim. Foi assim com Chenbok e a preceptora, sobre a qual ele contou, foi assim com o tio Gricha, foi assim com o meu pai, quando morava no campo e teve com uma camponesa aquele filho natural, o Mítienka, que está vivo até hoje. E assim fazem todos, tenha mesmo de ser assim. (p.77)

Mas aqui há a guinada do príncipe. Ele percebe que há algo de errado no cotidiano que todos vivem como se fosse óbvio: alguns tem terra, outros não. Alguns comem, outros não. Foi – Tolstoi narra – tão naturalizado a hierarquia e a desigualdade, a crueldade, que ninguém sequer ousa questionar isso. É a partir desse olhar que Tolstoi analisa o sistema penal: por que o roubo de um pão é considerado crime, mas a usurpação das terras para lucro não é? O autor aqui sintetiza que o sistema criminal nada mais é que um instrumento de dominação de classe:

e veio a Nekhliúdov, com uma clareza incomum, o pensamento de que todas essas pessoas foram presas, trancafiadas, exiladas não porque violaram a justiça, de maneira nenhuma, nem porque agiram contra as leis, mas só porque atrapalhavam os funcionários e os ricos em seu domínio da riqueza, acumulada à custa do povo.‘ (p.301)

Assim, o autor vai além de uma análise sobre a origem do mal ou algo nesse sentido. Pelo contrário, nosso protagonista só se frustra ao ler criminólogos tradicionais.

O príncipe realmente renasce – abre mão de suas terras, se junta com outros presos para buscar tirar o máximo possível da prisão, estuda sobre o sistema criminal. Ressurreição não é aquele clássico romance de tribunal que discute se ela cometeu ou não o crime. Isso não importa. O que importa aqui é a descoberta da real motivação por trás do sistema. Tolstoi incorpora isso na figura dos senadores, do promotor de justiça. E tudo isso tendo como caminho a jornada de Nekhliúdov, que é um ser completamente contraditório e complexo. Ele não é 100% bom ou 100% mau – ele é uma pessoa, complexa, afetada pelo sistema, falha. E é isso que torna sua jornada tão interessante. Ele não é aqui um herói que descobre a desigualdade social e sai buscando justiça. Afinal, o autor questiona inclusive o conceito de justiça. O protagonista é parte de algo muito maior, e ele sabe que não adianta – apesar de lutar sim para isso – salvar só sua amada Maslóva. A mudança tem que ser muito maior.

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