Resenha: Oleg (Editora Nemo)

Oleg é um quadrinista que está passando pela primeira vez por um período de dificuldades criativas. Ele também é um pai e marido que ama sua família. Com esse ponto de partida acompanhamos os pequenos acontecimentos do dia a dia do artista, indo desde suas ideias malucas para novas histórias, que são criteriosamente analisadas por sua mulher, até uma simples caminhada aproveitando a luz solar.

Em uma das passagens, o personagem título diz para sua filha que grandes histórias possuem um dilema moral. O que nos faz perguntar: qual é o dilema desta hq? Afinal, à primeira vista pode nos parecer um simples conjunto de momentos na vida de um cara de meia idade. Mas os questionamentos que Oleg se faz leva o material a flutuar com muita leveza entre o introspectivo e o filosófico.

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O autor, Federik Peeters, é o mesmo do excelente Pílulas Azuis, também da Editora Nemo. Uma história autobiográfica na qual ele expõe o início de seu relacionamento com uma mulher HIV positiva. Oleg pode ser considerado sua continuação moral – apesar de Peeters ironizar esse fato o tempo todo na hq quando o artista é frequentemente indagado sobre a continuação de seu maior sucesso.

Entre os questionamentos feitos pelo personagem, os principais são a evolução tecnológica do mundo e como ele, nos seus quarenta anos, se sente deslocado e até isolado, ainda que intencionalmente, em diversas situações. Além disso, a dicotomia entre gerações também é algo bastante presente, o que fica claro principalmente durante uma palestra para alunos do ensino médio na qual as perguntas são bastante rasas.

Mas se engana quem pensa que o material possui apenas cenas cotidianas. A imaginação do artista nos permite entrar dentro de seu engenhoso cérebro e presenciar alguns cenários bastante inesperados. Como na sequência na qual conversa com a sua mulher sobre a publicação da história em questão e temos praticamente uma ambientação diferente a cada quadro, algo que desempenha a função de mostrar a cumplicidade e parceria do casal. Nesses momentos de transição entre real e imaginário vemos a extrema capacidade narrativa de Peeters que, assim como seu traço pesado e grosso, harmoniza completamente com a hq.

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O tom filosófico e questionador da hq fica explícito em diversos momentos, principalmente em suas histórias paralelas, na cena em que vai ao oftalmologista e ainda mais no almoço com seus próprios pais, no qual em um embate de ideologias a frase de sua mãe “A gente também não vai se privar de tudo né?” ecoa em sua mente.

Ao final da hq é possível perceber uma certa evolução do personagem. Ainda que não tenha de forma alguma abandonado suas dificuldades com a velocidade do mundo, a impressão que fica é que mesmo sem nenhuma resposta consistente para suas questões internas, ele consegue encontrar nos pequenos momentos uma paz temporária, principalmente ao lado da sua família. Talvez seja sobre isso que Oleg fala: um amor esplendoroso que encontra nos instantes habituais pequenas pistas para responder, eventualmente, grandes questionamentos internos.

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