Falar sobre Pantera Negra é inevitável não lembrar de Chadwick Boseman, ator que faleceu precocemente devido a um câncer em 2020 – e sabemos que foi um guerreiro/herói dentro e fora das telas, filmando produções sem ninguém (exceto sua família) saber do inimigo pelo qual ele estava lutando.
O filme tem uma grande importância não só para a Marvel Studios por ter sido o primeiro filme do estúdio a ter protagonismo negro e a receber Oscar, mas vai mais além: é sobre e para a comunidade negra.
Ter um herói não-branco tendo seu próprio filme já é de uma grande importância, quebrando um muro em que separava deles dos “padrões”, mostrando que sim, várias comunidades de diferentes raças e etnias também podem ter seu protagonismo sem colocá-los como “escada” para um desenvolvimento de um personagem branco.
“Vocês, selvagens, não merecem” – Ulysses Klaw (interpretado por Andy Serkis) em Pantera Negra, 2018.
“Não me assuste assim, colonizador” – Shuri (Letitia Wright) para Everett Ross (Martin Freeman) em Pantera Negra, 2018.
Foi a partir de Pantera Negra, que vieram filmes como Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, Eternos, as séries Moon Knight e Ms. Marvel e no lançamento mais recente, a escalação de Xochitl Gomez como América Chávez. Todos eles com representatividade no elenco e produção.
Mas depois da morte trágica do principal protagonista, como ficaria o legado do Rei? Haveria uma continuação? Como seria essa possível continuação? E com a pandemia, o filme será adiado? E foi assim, com a morte precoce de seu protagonista e a questão da pandemia vindo atrapalhar as gravações, que Ryan Coogler e Marvel Studios tiveram que seguir em frente e deixar uma homenagem a quem deu o primeiro manto do Pantera. Encerrar um ciclo para o início de outro.
Em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, a Rainha Ramonda (Angela Bassett), Shuri (Letitia Wright), M’Baku (Winston Duke), Okoye (Danai Gurira) e as Dora Milaje (entre elas, Florence Kasumba) lutam para proteger sua nação das potências mundiais que intervêm após a morte do Rei T’Challa. Enquanto o povo de Wakanda se esforça para embarcar em um novo capítulo, os heróis devem se unir com a ajuda de Nakia (Lupita Nyong’o) e Everett Ross (Martin Freeman) para forjar um novo caminho para o reino de Wakanda. O filme que conta com Tenoch Huerta como Namor, rei de uma nação submarina oculta, também é estrelado por Dominique Thorne, Michaela Coel, Mabel Cadena e Alex Livanalli.
Roteiro
Semanas antes de Chadwick falecer, Ryan Coogler havia dito em um podcast que teria perguntado ao Chad se ele gostaria de ler o roteiro do filme antes das críticas do estúdio e a resposta foi “É melhor se eu ler depois”. Sabemos o que mais tarde viria a acontecer, com um roteiro ser reformulado logo depois.
E daí veio o roteiro da mesma dupla que trouxe Pantera Negra (2018), Ryan Coogler e Joe Robert Nole, com um filme que lida com luto, legado, cura.
Sob alguns momentos de silêncio absoluto e fungadas de emoção, em Wakanda Para Sempre você sente que ele vai além de ser um projeto de entretenimento: ele é uma forma de agradecimento ao Chadwick pela interpretação e por tudo que ele representa não só como Rei T’Challa, mas como amigo e colega de elenco. Mesmo que o roteiro seja responsável por Ryan e Joe, a sensação é de que todos contribuíram para a história, seja atores, atrizes, produtores, compositores, entre outros.
Com sendo uma forma de despedida da trágica realidade, isso foi refletido sob a trama para o legado do Pantera Negra no MCU.
Desenvolvimento da trama e personagens, as representações de culturas, crenças, o cuidado que tiveram em explorar novas nações, trazer personagens anticolonialistas e anti-imperialistas com críticas geopolíticas, tudo acrescentado à despedida de todos à Chadwick/Rei T’Challa foi o que deu a a cartada final da minha opinião sobre o roteiro de Wakanda Para Sempre: ser dos melhores roteiros que a Marvel já fez, se não o melhor.
Com o legado do manto do Pantera sob olhar do MCU, também podemos relacionar a aspectos da ancestralidade, tanto dos Wakandanos – explorado no primeiro Pantera na trama e em Killmonger, como da nova nação introduzida, os Talokan – nação submarina do Rei Namor, que possui uma carga histórica bastante poderosa.
Falar sobre ancestralidade em Pantera Negra, é falar sobre “reparações históricas” tanto da parte de contextos históricos reais quanto da inversão de papéis protagonistas (o que é ótimo). A questão de colonizações dos brancos é pautada mais uma vez, mas não somente pelo lado dos Wakandanos (realidade = africanos), mas pelos Talokanos, que pela primeira vez no estúdio, foi a introdução latina e indígena com povos mesoamericanos (maias).
A representação dos povos mesoamericanos foi de uma riqueza e um respeito tanto cultural quanto étnico nesse filme, que não terá uma pessoa que não vai negar em querer mais projetos com foco neles. Em mostrar as diferentes culturas, principalmente dos Talokanos, sem cair naquele clichê de que latinos são vilões dos filmes. Eles não vilanizam nenhuma cultura e muito menos sobrepõe umas com as outras.
Muito pelo contrário, o cuidado que eles tiveram em trazer não só aspectos de figurino, mas a mitologia maia relacionando Namor como Kukulcan (Deus Serpente Emplumado) e a origem dos povos Talokanos explicando o fato de serem azuis e relacionando ao mito do Deus Chaac por questões de sobrevivência, é de extrema felicidade o respeito que tiveram. Além de figurino, mitologia, também tivemos a comunicação de dois povos diferentes, que utilizam meios distintos para se comunicarem: os Talokanos, por serem aquáticos, possuem uma máscara que traduzam para outra língua, ao mesmo tempo que fazem eles respirarem.
O que um bom time com um diretor que se preocupa mais em levar questões do mundo para seu projeto do que várias cifras ($$) no seu bolso faz diferença num trabalho como esse de Wakanda Para Sempre.
Além disso, temos pautas geopolíticas de nações como Estados Unidos e França que disputam com Wakanda para ter acesso ao Vibranium e usarem em armas para defesas, por exemplo – assunto esse que Killmonger já havia dito no primeiro filme – já que o Rei está morto e eles não tem mais uma defesa poderosa para Wakanda. Diferentes do que que eles pensaram, Vibranium não está apenas em Wakanda, mas em outros lugares onde militares americanos descobrem e utilizam um detector de Vibranium criado por uma cientista americana contra a vontade da Rainha Ramona – algo não muito diferente do que ocorre atualmente, principalmente pela potência mundial que é os Estados Unidos, que possui envolvimento de países para estreitar relações políticas-partidárias com os governantes e adquirem recursos para o próprio país.
Não fugindo muito dessa pauta de colonização/invasão, também temos o envolvimento de outro país no filme que dá um peso na trama bem sutil sobre a população Wakandana, mas esse é melhor deixar para ser visto no filme. Aqui, são detalhes como este que dão um peso maior na trama.
Ah, só para não esquecer mas as cenas de ação estão melhores que o primeiro filme, ok? Os efeitos especiais também, principalmente essa detalhe técnico que foi muito criticado no primeiro filme. Na sequência está bem melhor e mais emocionante.
Personagens
Adaptar os personagens em quadrinhos com uma nova camada de profundidade contrastando com a realidade foi muito bem recebida, mostrando tanto a personalidade distinta dos personagens em lidar com a morte e como isso reverberou em outras subtramas do filme.
Rainha Ramonda e Shuri foram as mais que mostraram as diferentes formas de lidar com o luto: a Rainha Ramonda com sua crença espiritual contra a mente racional de Shuri. Angela Bassett e Letitia Wright fizeram uma atuação potente com suas personagens, sendo as duas junto com Danai Gurira e sua Okoye, o trio feminino que movimentaram todos os arcos do filme. Um destaque um pouco maior pra Shuri que teve um maior desenvolvimento por ser a irmã de T’Challa e a próxima herdeira ao trono de Wakanda, em que ela, uma cientista e que demonstra mais do seu lado racional pelo luto, mostrou algumas nuances de estágios do luto, como a raiva e o sentimento de culpa representado por vingança e as suas consequências.
Não deixarei de lado as outras personagens femininas que foram tão importantes quanto: Nakia (Lupita Nyong’o), Riri Williams (Dominique Thorne) e Aneka (Michaela Coel). As atuações também foram muito boas e a presença de cada foi bem explorada na trama, principalmente de Nakia que tem um contexto na trama bem importante, trazendo uma carga bastante emocional e importante.
A introdução de Riri Williams pode não agradar muito o público, mas precisa ser lembrado que a série solo dela está prevista para lançamento e teremos muito mais base da origem da personagem. A introdução dela eu achei muito boa, principalmente para mostrar que a próxima das mentes geniais do MCU está chegando e isso vindo de uma mulher preta, bonita e inteligente, como ela mesma diz (e não mentiu).
M’Baku (Winston Duke) também teve seu destaque, em momentos bem pontuais na evolução de Shuri e na defesa de Wakanda. Ele não é daqueles personagens descartados e é bastante importante para a franquia como um todo, principalmente agora.
Se os Wakandanos têm como lema o Wakanda Forever, os Talokanos têm o Imperius Rex.
Os Talokanos, eu fui bastante surpreendida. Sim, o “vilão” Namor, que nada mais é um anti-herói, foi desenvolvido muito bem. Além do visual incrível deles, as motivações do Namor foram bastante aceitáveis e entendíveis, flertando muito com o que foi o Killmonger. A cada aparição dos personagens, localizações, misticismos e suas formas de lutas foram bem animadores para mim. A origem de Namor foi mudada por aqui, mas a personalidade dos quadrinhos está ali de alguma forma (o que não é de jeito algum ruim). O anti-herói anti-imperialista e anticolonialista foi assertivo demais nesse novo Namor, tendo o carismático Tenoch Huerta sendo destaque foi melhor do que eu esperava e fez um ótimo anti-herói.
Destaque para especificações técnicas do filme
Um filme não é feito apenas de roteiristas e elenco, e aqui, cada detalhe foi extremamente importante e detalhado para que o público tenha um envolvimento não só pela história em si, mas pelos conjunto da obra que fará Wakanda Para Sempre ser um filme bastante importante.
Destaques que gostaria de mencionar é do trabalho de pesquisa não somente para a trama por trazer mitos mesoamericanos como dos maias, nomes importantíssimos de Revoluções Libertárias ou questões geopolíticas que fariam mais sentido na trama, mas o trabalho de design de produção, contando com a espetacular figurinista Ruth E. Carter – que acredito fortemente em mais uma indicação ao Oscar ano que vem, fotografia de Autumn Durald Arkapaw, a trilha sonora de Ludwig Göransson junto a canção original “Lift Me Up” de Rihanna nos créditos finais, à equipe de efeitos visuais e claro, a direção de Ryan Coogler nesse trabalho não poderia ser tão primoroso.
É de encher os olhos o que toda essa equipe fez com tanto amor esse filme e foram super cuidadosos em transformar esse filme como algo autêntico, respeitoso e pessoal.
Conclusão
Falando sobre Pantera Negra: Wakanda Para Sempre sendo uma mulher branca, sei que não tenho local de fala sobre o que a comunidade negra passa, porém não entendo como possa existir o racismo, onde possam ter pessoas que não aceitam a cor do próximo ou traços étnicos e o desqualifiquem ou repreendam só pelo fato da sua existência ou do “não-padrão”. Inclusive é meu dever como pessoa com privilégios apoiar a comunidade negra, sendo eles a voz e eu a ouvinte, sem “roubar” a voz do outro.
Contudo, Wakanda Para Sempre é sim o melhor filme que a Marvel Studios já fez e fecha a fase 4 da melhor forma possível: um filme emocionante, vibrante e esperançoso com o que vem futuramente, trazendo uma homenagem ao grande Chadwick Boseman e mostrando que o espírito de Pantera ainda vive dentro e fora de Wakanda.
Possui uma cena pós-crédito importante e com um contexto histórico bem colocado com pequenas sutilezas que são bastante importantes, principalmente para comunidades negras.
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Pantera Negra: Wakanda Para Sempre chega amanhã (10) nos cinemas brasileiros!