Não é difícil convencer alguém a assistir um filme que relata uma família tentando sobreviver a uma criatura mortal, em meio a circunstâncias complicadas, sem ter para onde ir. Mais fácil ainda quando o filme em questão é protagonizado por Idris Elba, um queridinho da comunidade cinéfila. Mas e quando a obra vai além dessa primeira camada?
Esse é o caso de A Fera, dirigido por Baltasar Kormákur. O diretor tem outros projetos relacionados à sobrevivência humana em meio a natureza, mas aqui tudo fica mais intrínseco. Se formos analisar o filme apenas pela sua sinopse ou de forma mais superficial, A Fera se trata apenas de uma família com descendência africana visitando o local onde a matriarca viveu. Neste lugar, onde a caça predatória e ilegal é muito presente, um leão tem seu bando morto por um grupo de homens e não mede esforços para se vingar da raça que exterminou o que ele chama de família. Mesmo olhando apenas dessa forma, já é um roteiro que merece nossa atenção, mas existem ainda mais camadas nas entrelinhas.
Para começar, a família está de luto. Sua viagem para a África é uma tentativa de perdão e reaproximação do Dr. Nate das suas filhas após o divórcio e morte da mãe delas. A tensão entre a filha mais velha, Mare, e Nate é palpável mesmo que não exista nenhum diálogo em cena. Em contrapartida, a mais nova Norah tenta enxergar o mundo com os olhos de criança, mas se mostra mais corajosa quando é necessário.
Além da questão do núcleo familiar, é importante ressaltar que “a fera” não deixa de ser um animal ferido, tanto fisicamente quanto emocionalmente, pelas atitudes humanas. E então a caça se torna o caçador, o oprimido se torna o opressor. Como seria se existisse, de forma literal, uma revolução dos bichos? É muito difícil não enxergar o leão do filme como um defensor da própria espécie. E é exatamente o que ele é o que o filme mostra que todos os leões são. Isso fica claro, principalmente na conclusão do último ato.
Nossos protagonistas são sobreviventes da ira de um animal que sobreviveu anteriormente. Todas essas questões não são abertamente abordadas no filme, que foca muito mais na ação e na tensão, mas é importante traçar esse paralelo.
Aliás, falando da ação, os amantes do gênero vão se apaixonar. O filme te deixa preso na cadeira o tempo todo, sem deixar você respirar tranquilo nenhuma vez. A ameaça aparece logo nos primeiros minutos e só é resolvida nos segundos finais. A balança entre a ação e a tensão é muito equilibrada, isso graças ao trabalho da direção que divide o filme em sequências frenéticas e momentos silenciosos mas que, com certeza, é possível ouvir a respiração ofegante da pessoa ao seu lado no cinema. E a fotografia, nem se fala: paisagens africanas abertas (que dão uma sensação de que o leão pode vir de qualquer lugar) mas que tiram o fôlego de tão bonitas. Essas paisagens dividem espaço com cenários claustrofóbicos, trazendo uma disparidade única e muito bem pensada para esse filme.
Em resumo, o filme entrega ação e muitos momentos de roer as unhas como foi prometido, mas desperta uma discussão sobre nossas atitudes como sociedade perante aos animais e como os enxergamos, nos fazendo pensar o que seria de nós se os caçadores fossem eles.