O Coronavírus e as mulheres brasileiras

O surto de COVID-19 não é a primeira epidemia a afetar a vida das mulheres brasileiras. Com a presença de qualquer doença altamente contagiosa em meio à sociedade, é inevitável observar que um enorme número de pessoas, independente de seu gênero, raça ou condição social se torna vulnerável a tal enfermidade. No entanto, não é, e nunca será, correto comparar o impacto que uma crise de tamanha proporção exerce sobre pessoas cujas circunstâncias financeiras lhes permitem se proteger e fazer o mesmo com sua família e amigos.

Embora grande maioria dos veículos midiáticos globais estejam cobrindo toda a situação de maneira tradicional e genérica, são várias as discussões em redes sociais sobre divergências no que diz respeito ao tratamento e sobre a contaminação da doença quando o assunto são pessoas de baixa renda, que vivem em aglomerados e, mesmo com a quarentena, ainda são obrigados a frequentar ambientes públicos para garantirem o sustento de sua família. Seguindo esse raciocínio, e tendo em mente que mais de um milhão de famílias brasileiras são compostas por mães solteiras, passamos a entender um pouco mais sobre como o problema enfrentado pela população mundial é refletido, de maneira mais drástica, em nossas mulheres.

Mulher cuidando dos filhos
Imagem retirada do portal HuffPost Brasil

Historicamente, durante as demais pandemias registradas ao longo dos séculos, ainda era papel exclusivo dos homens garantir o sustento de seus respectivos lares. Não bastasse viverem em um sistema misógino, as mulheres daquela época eram, em sua grande maioria, infectadas por maridos ou filhos que contraiam a doença fora de casa. Já durante a propagação da Gripe Suína, em 2009, o cenário era diferente. Foram, aproximadamente, 30 mil casos no Brasil, porém, nesse caso, já existiam centenas de milhares de mães tentando decifrar meios de conseguir manter o trabalho, responsável pelo sustento de seus filhos, sem contaminá-los ao chegar em casa.

“Mas o vírus não faz distinção de gênero da hora de infectar pessoas…”

É, de fato, muito fácil pensar que o terror da contaminação funciona igualmente para todas as pessoas cientes sobre o perigo de um vírus. E funciona mesmo. O medo é uma condição psicológica igualmente negativa para todos nós, seres humanos. Mas quando se trata de um problema global, tal como pobreza, violência e outras dezenas de questões observadas dentro de uma sociedade, a discussão se torna outra: no que se baseia todo esse medo?

Seria hipocrisia afirmar que pessoas que não se identificam com o sexo feminino são incapazes de desenvolver esse sentimento. No entanto, o que faria alguém que, ao se deparar com escolas fechadas e vários filhos para cuidar, vê como a única opção tirá-los de casa e expô-los a uma enfermidade digna de ser classificada como pandemia, devido à falta de cuidado para seus filhos dentro de casa? De fato, esse texto não é sobre mulheres no geral, mas sobre mães (e sobre a minúscula parcela de pais que também são parte desse raciocínio) solteiras, cujo medo citado nesse texto é multiplicado pela quantidade de pessoas expostas à contaminação devido a suas ações inevitáveis.

Todo mundo conhece, tem ou já teve algum idoso na família. Todos nós sabemos sobre os enormes riscos que o Coronavírus, assim como todas as demais gripes, oferecem à população mais velha, porque é essa uma das informações mais divulgadas pela mídia atualmente. Não se fala sobre o perigo representado pelo fato de patroas estarem transmitindo diretamente o vírus para suas empregadas domésticas, e também não se fala sobre a culpa que essas mulheres levariam caso fossem as responsáveis por iniciar a contaminação da comunidade onde moram.

E qual o desfecho disso tudo?

Condições como guerras, desastres naturais ou até mesmo uma pandemia são capazes de desestabilizar um sistema inteiro, mas é fundamental reforçar que os mais afetados por tais circunstâncias extremas sempre será a classe mais periférica daquele determinado país. Seguindo esse raciocínio, serão sempre as minorias sociais as mais afetadas por problemas que parecem fazer o mesmo mal a todos. É aí que se conclui toda a alusão à mães solteiras e suas dificuldades nesse texto.

Ester Sabino e Jaqueline Goes de Jesus
Ester Sabino (esquerda) e Jaqueline Goes de Jesus (USP Imagens e Fapesp/Reprodução)

Em meio de todo esse caos, do outro lado da moeda, temos profissionais como Ester Sabino e Jaqueline Goes de Jesus – as pesquisadoras brasileiras que, apenas dois dias após a pandemia alcançar o território tupiniquim, já haviam sequenciado o genoma do vírus. As diferentes realidades entre as brasileiras mostram que, caso todas fossem introduzidas ao mesmo nível de educação e às mesmas oportunidades, talvez a situação que vivemos hoje seria muito menos grave no Brasil.

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