MULHERES QUE LEEM MULHERES
Iniciei 2020 focada em uma meta: consumir mais conteúdos produzidos por mulheres – livros, filmes, serviços, produtos etc. – e, devido à pandemia, passado já um ano de isolamento (e de leituras) e de home office, a leitura foi o principal canal através do qual observei que seria possível concretizar este goal.
Não tenho como objetivo apenas vir aqui e citar alguns dos livros que li; como boa publicitária, busco ressaltar a relevância deste texto através da argumentação e da exibição dos motivos pelos quais você certamente deveria ler as obras que irei citar aqui (e ainda, deixe-me arriscar, estender esse consumo para demais títulos alinhados com essas propostas!).
-
71 LEÕES: UMA HISTÓRIA SOBRE MATERNIDADE, DOR E RENASCIMENTO, por Lau Patrón
Editora Belas-Letras; 1ª edição (2018)
Com pouco mais de um ano de vida, o filho, até então muito saudável e brincalhão, da publicitária Lau Patrón foi diagnosticado com uma síndrome raríssima que o acamou durante meses em um leito de UTI.
O livro é um diário comovente e intenso no qual a autora discorre sobre sentimentos, emoções e crenças e descrenças, além de altos (esperanças) e baixos (desesperanças) atrelados ao futuro incerto de seu filho.
POR QUE LER ESTE LIVRO?
Li 71 Leões no início deste ano – ou seja, há não muito tempo – e já o recomendei para pelo menos quatro pessoas e em toda essas recomendações utilizei a palavra “visceral”, porque descreve bem a essência da obra.
Não sou mãe e nunca vivenciei nenhuma faceta da maternidade, porém afirmo com veemência que o tom maternal de 71 Leões me sensibilizou profundamente.
Lau Patrón alinhou sua angustiante estadia hospitalar como acompanhante de seu filho com a angustiante viagem que é a vida do leitor – afinal, estamos todos a todos os momentos passando por algo que nos gera apreensão.
Linha por linha e página por página – nem sempre o leitor é capaz de sentir a dor da autora, mas com certeza é capaz de compreendê-la.
Eu, como leiga no assunto maternidade, finalizei esta obra possuindo a mais absoluta certeza de que não há força como a força que nasce na mulher (mulher mãe; mulher filha; mulher esposa; mulher que busca respostas; mulher que se sente sem forças; mulher que questiona; mulher que não compreende) após o nascimento de seu filho.
-
ABUSO: A CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL, por Ana Paula Araújo
Editora Globo Livros; 1ª edição (2020)
Após quatro anos de extensas pesquisas, a jornalista Ana Paula Araújo escreveu o livro com base em viagens que realizou de Norte a Sul do Brasil para entrevistar mais de uma centena de vítimas e seus familiares, criminosos, psiquiatras e diversos especialistas no assunto.
Além da autora apresentar (estarrecedores) dados sobre estupro e estupradores em nosso país, Ana Paula também argumenta e disserta sobre os meios de denúncia disponíveis, e sobre o direito ao aborto decorrente de abuso sexual (que é, em teoria – como ela bem ilustra através dos casos apresentados –, autorizado por lei sem que seja oficializada uma denúncia na policia).
-
-
POR QUE LER ESTE LIVRO?
-
Com linguagem simples e riqueza de informações, Abuso dispara o alerta em nossas mentes que já devia há tempos ter sido disparado: a cada duas horas é feita uma denúncia de estupro cuja vitima possui menos de 14 anos (painel de dados lançado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; Março de 2021); a cada oito minutos ocorre um estupro no país (14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública; Outubro de 2020); ocorrem cerca de 181 estupros por dia no Brasil (14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública; Outubro de 2020).
Estes dados (e os inúmeros outros) ilustram de forma clara o quanto a violência sexual permeia a vida das mulheres brasileiras.
Enquanto uma parcela da sociedade permanecer fazendo vista grossa para casos de assédio e abuso e enquanto as crianças não obtiverem adequado acesso à educação sexual e, portanto, ao conhecimento referente às funcionalidades e partes de seus próprios corpos, as vitimas permanecerão sentindo vergonha por terem passado por essa situação e os estupradores permanecerão impunes.
Incentivar a tabulização de um assunto como este é compactuar com um dado que só engrandece mais a cada ano.
A leitura se faz necessária porque precisamos entender o estupro (e suas nuances) para discutir sobre ele e lutar contra ele e contra quem o pratica.
-
A MORTE É UM DIA QUE VALE A PENA VIVER, por Ana Claudia Quintana Arantes
Editora Oficina do Livro (2018)
A autora, Ana Claudia Quintana Arantes, é uma médica especialista em cuidados paliativos que discorre no livro sobre a forma que comumente encaramos a morte (e, por consequência, a vida também).
-
-
POR QUE LER ESTE LIVRO?
-
A Morte é um dia que Vale a Pena Viver é uma obra que quebra paradigmas; toca em feridas e desmistifica o tabu que é a morte para a nossa sociedade.
Julgamos, em alguns (muitos) momentos, o óbito como um assunto inconveniente (e certamente indesejado), porém não vemos o quanto abordar este tópico é relevante para nossa vida, pois é este processo que põe fim a ela. Nenhum de nós está livre da morte – falando ou não sobre ela.
No livro, a autora nos ensina a enxergar de uma nova forma o falecimento (nosso, das pessoas ao nosso redor e até mesmo de desconhecidos), o luto e o processo que este demanda dos indivíduos afetados, e a própria vida, que caminha dia a dia em direção à morte – e tudo bem (!!!), pois este é o andamento natural do ato de viver!
A leitura, além de interessante do inicio ao término – por ser um tipo de discussão geralmente escassa entre pessoas que, por exemplo, não atuam em áreas relacionadas à saúde – conecta o leitor a pontos profundos de sua alma e de seu entendimento a respeito de todo o processo físico e espiritual no qual, como ser humano, está inserido.
Precisamos entender, ler, assimilar e falar sobre a morte porque estamos todos sujeitos a ela em todos os momentos. Evitá-la não nos faz imortais.
Atitudes como não falar e não lidar de forma saudável com assuntos relacionados a este tema, em muitos casos, geram feridas irreparáveis e muito doloridas que seguem doendo por todo o restante da vida.
-
A VIDA MENTIROSA DOS ADULTOS, por Elena Ferrante
Editora Intrínseca; 1ª edição (2020)
Na obra da renomada autora italiana, a protagonista Giovanna, uma menina de apenas 12 anos, entreouve seu pai comparando-a com sua tia paterna, descrita por seus familiares como alguém feia e má.
O comentário, vindo da pessoa por quem a moça assumidamente nutria devotado amor e admiração, potencializa e torna explícitas as fragilidades e as angústias que fazem parte dos processos de desenvolvimento, crescimento e maturidade.
A narrativa, que acompanha Giovanna até o seu 16º ano de vida, guia o leitor por todas as surpresas (e frustrações e decepções e descobertas) pelas quais os adolescentes passam enquanto aprendem a olhar para o mundo e para as outras pessoas de uma nova forma.
-
-
POR QUE LER ESTE LIVRO?
-
O ponto chave responsável por conquistar o leitor em A Vida Mentirosa dos Adultos é simples e muito objetivo: todos nós já passamos pelas situações que Giovanna passa durante o desenrolar da história.
Todos nos identificamos com a protagonista.
As conjunturas podem não ser as mesmas, mas as dúvidas, as incertezas, as inseguranças, os medos, as frustrações e as incompreensões que permeiam a cabeça da menina já ocuparam espaços em nossas próprias cabeças.
Consumir a obra de Elena Ferrante é transportar-se para o passado – mais precisamente para o tempo em que possuíamos entre 12 a 16 anos –, porém agora com uma mente mais amadurecida de fato e com a capacidade de fazer uma análise mais fria e sem o envolvimento emocional que depositávamos quando nós mesmos ocupávamos o papel de Giovanna em nossas próprias historias.
-
O MITO DA BELEZA: COMO AS IMAGENS DE BELEZA SÃO USADAS CONTRA AS MULHERES, por Naomi Wolf
Editora Rosa dos Tempos; 10ª edição (2018)
O Mito da Beleza discorre sobre a (milionária e estratégica e) globalmente disseminada (e praticada) forma de controlar as mulheres através de suas aparências.
Através deste mecanismo de controle é estimulada a rivalidade feminina em busca de um padrão de beleza já pré-definido pela sociedade (masculina) que nada tem a ver com as mulheres, mas, sim, com os homens e com os poderes institucionais masculinos.
-
-
POR QUE LER ESTE LIVRO?
-
Acho que a pergunta adequada para qualquer pessoa que faz uso de redes sociais atualmente seria: “por que não ler esse livro?˜.
Milhões de brasileiros lidam hoje com distúrbios relacionados a suas aparências; seus corpos e seus rostos – por exemplo, o Transtorno Dismórfico Corporal, TDC, que leva o individuo a implicar com alguma característica própria (que pode ou não ter proporções reais) e se esforçar incansavelmente para camuflá-la; além dos conhecidos transtornos alimentares como bulimia e anorexia etc.
As redes sociais estão sempre sendo alimentadas com postagens que exibem corpos perfeitos, peles perfeitas, sorrisos perfeitos, cabelos perfeitos (etc.), de acordo com o padrão de beleza imposto pela sociedade, o que pode ser extremamente danoso para a autoestima e para a saúde mental (e física, a depender das atitudes tomadas!) de quem está constantemente exposto a este tipo de conteúdo.
Ler O Mito da Beleza é compreender o quanto é agressiva e violenta essa cultura, além de o leitor ter a possibilidade de assimilar o quanto esta é uma ferramenta valiosa em questões financeiras (a nível global) e referentes à manutenção da masculinidade (tóxica) no mundo.
-
TODOS OS HOMENS SÃO MORTAIS, por Simone de Beauvoir
Editora Nova Fronteira; 3ª edição (2019)
No famoso ensaio em forma de ficção, Simone de Beauvoir dá início a um debate sobre o Mito da Imortalidade e à prática da filosofia existencialista de Beauvoir, responsável por afirmar que as escolhas dos homens definem suas essências e podem afetar o mundo, ou seja, os seres humanos são inteiramente responsáveis por seus próprios atos, escolhas, valores e sentidos.
-
-
POR QUE LER ESTE LIVRO?
-
A história aborda o Mito da Imortalidade através da visão de Fosca, o protagonista, que por ter passado a dispor de uma vida infindável, acompanha diversos ciclos da vida humana na Terra, tornando-se, com o decorrer dos tempos, apático em relação a tudo e a todos.
A imortalidade é apresentada como uma maldição – quebrando paradigmas –, pois devido a ela Fosca perdeu sua capacidade de enxergar valor e beleza nas situações e nos relacionamentos mundanos.
A leitura se faz interessante, pois salienta o quanto é importante que tenhamos respeito pelos tempos e ciclos de nossas vidas; das pessoas ao nosso redor; dos desconhecidos, e até mesmo do planeta e das diversificadas sociedades que o habitam e que se renovam com o passar das épocas.
Todos os Homens São Mortais instiga o leitor a valorizar mais o presente, relembrando-o de que isto deve ser feito pois a vida é breve e finita, e que a efemeridade da vida talvez seja – quem diria?! – o grande encanto por trás de nossa simples existência.
Finalizo este texto salientando mais uma vez o quão necessário (e precioso) é o ato de consumirmos conteúdos inéditos para nós e com múltiplas origens.
Nós, mulheres, através da leitura, muitas vezes acabamos por enxergar o mundo com olhos que não são nossos – e desde cedo somos ensinadas e treinadas a isto –, ou seja, crescemos lendo livros que nem sempre correspondem às nossas formas de encarar o mundo e/ou aos nossos valores e crenças pessoais.
Isto acontece sem que nem percebamos, e, por isto, é importante que seja feito esse estímulo; essa divulgação de obras tão maravilhosas – mesmo que já sejam famosas –, para que mais mulheres busquem e leiam mais mulheres.
Somos, sempre fomos e devemos permanecer sendo nossa própria rede de apoio – na literatura, no cinema, na prestação de serviços e na vida.
1 comentário
Uau! Quanta coisa boa! Já atualizei minha listinha! ❤