ANÁLISE: A Relação entre Papillon e Canção Noturna

papillon canção noturna

1º: Sim, me refiro ao famoso livro autobiográfico de Henri Charrière, “Papillon”, publicado originalmente em 1969, e também à conhecida música da banda mineira Skank nomeada “Canção Noturna”, surgida com o lançamento do quinto álbum do grupo (“Maquinarama”) no ano de 2000.

2º: Há uma relação entre o livro e a música.

SOBRE PAPILLON

Através de “Papillon”, Henri Charrière, detentor do apelido por conta da tatuagem de borboleta que carregava em seu peito (“papillon” é francês para “borboleta”) conta sua história de vida: um arrombador de cofres que em 1933 foi condenado à prisão perpétua por um assassinato que não cometeu.

Estipulada a pena, Henri foi designado a cumpri-la no sistema penal da Guiana Francesa – local para onde os presos franceses de maior periculosidade eram enviados.

A história se desenrola entre diversas fugas protagonizadas por Papillon e Louis Dega, um falsificador e fraudador com quem Henri faz amizade durante o trajeto marítimo até a Guiana Francesa, somados a alguns outros amigos que os dois criminosos fizeram nas prisões da colônia.

As fugas, majoritariamente marítimas, passaram por regiões da Guiana Francesa (tais como as Ilhas da Salvação, incluindo a Ilha do Diabo, de onde o preso realizou a evasão de maior destaque de sua vida), do Suriname, do Caribe, da Colômbia, Guiana Britânica e Venezuela.

 

Apresentada de forma breve a história de “Papillon”, vamos à “Canção Noturna”.

 

SOBRE CANÇÃO NOTURNA

Misterioso luar de fronteira
Derramando no espinhaço quase um mar
Clareando a Aduana
Venezuela, donde estás?
Não sei por que nessas lagunas vejo o seu olhar
Minha camisa estampada com o rosto de Elvis
A minha guitarra é minha razão
Minha sorte anunciada
Misteriosamente a lua sobre nada

Não sei por que nessas lagunas vejo o seu olhar
Espalhe por aí boatos de que eu ficarei aqui

Vem, mamacita, doida e meiga
Sempre o âmago dos fatos
Minha guerra e as flores do cactos
Poema, cinema, trincheira

Não sei por que nessas lagunas vejo o seu olhar
Um cego na fronteira, filósofo da zona
Me disse que era um dervixe
Eu disse pra ele, camarada
Acredito em tanta coisa que não vale nada

Não sei por que nessas lagunas vejo o seu olhar
Espalhe por aí boatos de que eu ficarei aqui

Não sei por que nessas escunas vejo seu olhar
Velejando, viajando sol quarando
Meu querer, meu dever, meu devir
E eu aqui a comer poeira
Que o sol deixará
Não sei por que nessas esquinas vejo o seu olhar

Não sei por que nessas esquinas vejo o seu olhar
(Velejando, viajando sol quarando)
(Que o sol deixará)

 

A música da banda Skank, reproduzida acima, conta a história do que parece ser um forasteiro que veleja por entre fronteiras marítimas, vez ou outra atracando sua embarcação.

 

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE PAPILLON E CANÇÃO NOTURNA

Tenho certeza que você, como qualquer pessoa sã, está se perguntando qual a relação entre um livro francês da década de 60 e uma música de 2000 de uma banda brasileira.

Bom, eu vou provar para você hoje – agora – que há grande ligação entre estes dois conteúdos.

Como em “Papillon”, a música discorre sobre um homem – conclui-se que se trata de um homem pelo eu-lírico solicitar a presença de uma moça, a quem se refere de forma galante como “mamacita” – que aparentemente está navegando durante um tempo considerável e indeterminado (pois cita o “luar de fronteira” e a “poeira que o Sol deixará”, ou seja, dias e noites em desenrolamento) por regiões do Mar do Caribe e do Oceano Atlântico (é possível fazer essa dedução geográfica devido ao verso “Venezuela, donde estás?”, já que o território venezuelano é banhado tanto pelas águas caribenhas como pelo Atlântico).

Em determinado momento da autobiografia, Henri afirma que seu grupo de amigos se resume a quatro pessoas – ele e mais três –, sendo uma destas um violinista com o nome Marquetti.

A alusão a esse amigo de Henri pode ser encontrada na música quando buscada de forma minuciosa: o eu-lírico afirma que a guitarra é a paixão dele, enquanto no livro, Papi comenta que Marquetti tocava violino por horas a fio, o que deixava o autor melancólico.

Talvez na melodia tenha sido mencionada essa amizade específica exatamente por Henri Charrière citar na obra o sentimento de angústia que o instrumento de corda causava nele.

Arrisco dizer que a adaptação (com grande teor simbólico, diga-se de passagem) de “violino” para “guitarra” poderia ter ocorrido fundamentada no conceito de liberdade poética e, também, devido aos estilos musicais que permeiam as produções da banda (rock alternativo, reggae fusion, pop rock, ska e dancehall).

Espalhe por aí boatos de que eu ficarei aqui”, a musica versa múltiplas vezes.

Papillon narra em sua autobiografia uma vida repleta de chegadas e partidas.

Pela pena atribuída a ele – prisão perpetua –, a condição de foragido o acompanhou em suas vivências, e isto fazia com que Henri se estabelecesse nos locais de forma breve – com exceção de uma aldeia indígena em uma região nem colombiana nem venezuelana onde se assentou por cerca de seis meses –, portanto os boatos de que ele se encontrava em determinada região representariam um artifício verbal cuja finalidade principal seria despistar as autoridades.

Ainda referente às situações vividas por Papi enquanto o criminoso atracava suas precoces embarcações de fuga, na música o eu-lírico afirma que certas lagunas, esquinas e escunas o fazem recordar de um certo olhar.

Aqui me dou a liberdade de abstrair ainda mais (isto mesmo!) e concluir que, com uma bagagem de experiências vivenciadas em um amplo leque geográfico, os versos semelhantes repetidos na música fazem menção às variadas pessoas que Henri conhecia, inclusive de forma romântica, cada vez que alcançava, se acomodava e (após um tempo) partia de um local.

“Canção Noturna” cita brevemente três palavras-chaves que podem representar respectivamente a constante e intensa reflexão praticada pelo autor; o lazer que este obtinha ao viver como um homem livre em suas evasões das penitenciárias; e as sucessivas adversidades que enfrentou, tanto nas prisões como no desenrolar de suas fugas: “Poema, cinema, trincheira”.

Na canção, o eu-lírico, ao ser confrontado pelo que parece ser um tipo de individuo pensador local (“”filósofo da zona”), responde que acredita em muitas coisas que não valem nada, e, com esta afirmação estreita-se ainda mais a relação entre a música e o livro, pois de que era movido Henri Charrière, protagonista de quase uma dezena de escapatórias carcerárias, senão de crenças, expectativas e esperanças – muitas destas superficiais – que tinham como fundamento um objetivo único: a liberdade?

 

SOBRE A TEORIA

Há pontos soltos na teoria – como poderia estar Henri vestindo uma “camisa estampada com o rosto de Elvis”, como menciona a canção, quando a carreira do cantor foi oficializada na década de 50 e o livro discorre sobre um período de 14 anos entre 1931 e 1945?

Eu poderia não mencionar as falhas na teoria – por que optei por fazê-lo?

Porque é uma (arrisco adjetivar) interessante suposição surgida e fomentada devido à disponibilidade de tempo livre e ao demasiado acesso à internet, que pode ser melhorada com a contribuição de outras pessoas que também estejam em um cenário de relevante disponibilidade de tempo livre e demasiado acesso à internet.

“Papillon” e “Canção Noturna” apresentam, de alguma forma, semelhanças em seus desenlaces que acabam por despertar, tanto em quem lê quanto em quem ouve, a curiosidade em relação a tudo que é desconhecido, além de potencializar, de forma particular em cada indivíduo, a vontade de descobrir e vivenciar coisas novas – coisas estas que podem ser pessoas, regiões, situações, refeições e mais um enorme leque de opções.

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5 Comentários

  1. Estava procurando o significado da música (QUE ADORO, mesmo sem entender muito bem kkk), e me deparei com esse texto – muito bem escrito, à propósito! Nunca li o livro, mas realmente me interessei por ele depois desta análise. Me instigou bastante, enquanto leitora!

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