Desde 1984 é comemorado em 30 de janeiro o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos. Essa data foi escolhida por ter sido o dia de publicação da primeira hq brasileira, do cartunista Angelo Agostini em 1869. De lá pra cá o mercado cresceu, evoluiu e se desenvolveu.
O Brasil já trouxe para casa alguns Prêmios Eisner – o Oscar dos quadrinhos – e foi indicado a muitos outros. Nosso país é bastante respeitado nessa área e diversas editoras internacionais como Marvel e DC Comics buscam quadrinistas por aqui.
Fábio Moon, Gabriel Bá, Marcelo Quintanilla, Cris Peter, Danilo Beyruth, Ivan Reis, Joe Prado e Adriana Melo são só alguns dos nomes que já são bem conhecidos em outras terras. Só esse time de peso, já dariam baitas indicações. Mas, além deles, milhares de outro artistas não tão conhecidos pelo grande público estão produzindo e publicando ótimas obras nas mais diversas feiras do país. E é neles que vamos focar. Vamos lá?!
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Tina: Respeito – Fefê Torquato
Para abrir essa lista não tinha como não ser uma Graphic MSP.
Se a Turma da Mônica foi um dos responsáveis por popularizar as histórias em quadrinhos no Brasil e é até hoje essencial no aprendizado e desenvolvimento de hábitos de leitura de muitas crianças, o selo jovem-adulto da empresa é responsável por trazer de volta os leitores ao mundo das hqs.
Com 25 obras lançadas dos mais diversos personagens e gêneros (aventura, drama, comédia, terror) e quatro lançamentos anuais, nosso destaque vai para Tina: Respeito, roteirizada e desenhada pela incrível Fefê Torquato. Nela, Tina realiza o sonho de trabalhar como jornalista em uma redação e acaba enfrentando um desafio muito pessoal.
Com aquarelas de tirar o fôlego, Fefê consegue tratar de um assunto bem pesado e, infelizmente, cotidiano para as mulheres – o assédio – de forma natural, responsável e que nos enche de emoção.
Além de Tina: Respeito, fica nossa indicação para Jeremias: Pele de Rafael Calça e Jefferson Costa e Chico Bento: Arvorada de Orlandelli. Também obras primas do selo.
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Três Buracos – Shiko
Shiko é um dos grandes monstros do quadrinho nacional que além de ter um estilo de desenho maravilhoso, utiliza isso para produzir obras com críticas sociais extremamente bem colocadas.
Três Buracos é seu lançamento mais recente, pela Editora Mino, que conta a história de Tânia, seu irmão Canhoto e sua companheira Cleonice em uma cidade dividida entre o garimpo, o bar e o cemitério. Com elementos bem fortes de terror, ele nos insere num mundo que, provavelmente, é bem diferente daquele no qual o leitor vive. E se você não fechar as páginas e ficar horas pensando sobre o que acabou de ler/ver, leia de novo!
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Cumbe – Marcelo D’Salete
O ganhador do prêmio Eisner de 2018 não poderia ficar de fora dessa lista. Lançado no Brasil pela Editora Veneta, Cumbe nos traz diversas histórias extremamente emocionantes de escravos brasileiros e suas lutas, resistências e violência.
Marcelo D’Salete se destaca não só pela temática e representação praticamente inédita, mas também por seu trabalho completamente embasado em extensas pesquisas sobre o período retratado.
Sua última obra lançada, Angola Janga também pela Editora Veneta, retrata o “vilarejo” no qual moravam fugitivos da escravidão – inclusive Zumbi – e também é não só excelente, mas essencial para entender a história que não é contada.
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As Empoderadas – Germana Viana
Germana Viana é uma daquelas artistas que você precisa acompanhar. Ela faz de tudo: quadrinhos de super-heroína, de terror, de putaria, de deuses africanos. E tudo isso com muita representatividade.
As Empoderadas foi lançada originalmente como um webquadrinho e ganhou uma versão impressa pela Jambô Editora. Conta a história de três mulheres – uma mãe de família, uma jovem nerd e uma quarentona baladeira – que ganham poderes da noite para o dia. Com bastante ação e comédia, você pode se perguntar: “Mas é super-herói?” Não, super-HEROÍNA. E daquelas que sempre quisermos ver, as que se parecem com pessoas reais.
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La Dansarina – Lillo Parra e Jefferson Costa
Lançada pela Jupati, selo da Marsupial Editora, La Dansarina é uma daquelas hqs que você termina com os olhos marejados e também com um sorriso no rosto.
A história se passa em 1917, época do surto da Gripe Espanhola, e acompanhamos toda a dedicação de Petro à sua mãe, que foi acometida pela doença, e a jornada do menino para lhe dar um funeral digno.
Com elementos fantasiosos e pinceladas de representação de diversas crenças, os artistas entregam uma obra emocionante e tocante.
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Labirinto – Thiago Souto
Labrinto é uma hq de aventura que esconde alguns truques em suas páginas. Escrita e desenhada por Thiago Souto e lançada pela Editora Mino, nela acompanhamos a diversão de Nico e seu amigo Góreck, com encontros que sempre terminam de forma repentina e inesperada.
Contendo uma reflexão sobre amizade, memória e crescimento, as páginas coloridas e orgânicas de Souto saltam aos olhos e praticamente hipnotizam o leitor, que é jogado no meio desse labirinto e precisa ir se localizando aos poucos. É praticamente impossível parar de ler.
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Dora – Bianca Pinheiro
Bianca Pinheiro já pode ser considerada um dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais. Com diversas obras publicadas nos últimos anos, incluindo duas Graphic MSP da Mônica, e transitando entre diversos gêneros – do infantil ao terror -, Dora foi uma das obras que a fez trilhar esse caminho.
Lançada inicialmente através de uma campanha de financiamento coletivo e posteriormente pela Editora Mino, Dora é uma obra que acompanha a mãe da menina que dá nome ao título sendo interrogada pela polícia após a morte de quinze pessoas e o desaparecimento da filha.
Mostrando recortes de uma infância minimamente diferente, a hq faz paralelos com o clássico Carrie, A Estranha. Mas não espere respostas fáceis e diretas, essa não costuma ser a preocupação de Bianca em suas obras mais adultas (Meu Pai é Um Homem da Montanha, Alho Poró), apenas aproveite o caminho.
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Transistorizada – Luiza Lemos
Luiza Lemos é uma artista trans que utilizou a internet para publicar suas tiras sobre o processo de transição e vivências com muito humor. Hoje elas estão compiladas em uma revista que apesar de relativamente pequena transborda otimismo, informação e ironia em todas as páginas.
Então se você está procurando uma leitura leve, rápida, engraçada e ao mesmo tempo representativa, Transistorizada é feita para você.
Luiza tem sido figurinha carimbada em diversas feiras de quadrinhos e já anunciou outros projetos autorais. Com um traço bem cativante e um olhar diferenciado, vale a pena ficar de olho no que vem por aí.
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Maré Alta – Flávia Borges
Flávia Borges, ou Breeze SpaceGirl, é uma artista com um estilo único e que consegue utilizar muito bem as cores e suas próprias vivências para produzir obras delicadas e sensíveis.
Assim é Maré Alta, um quadrinho sem falas que nos insere com muita eficiência dentro da mente de uma pessoa ansiosa. Utilizando paralelos físicos para demonstrar sensações e sentimentos da personagem, a hq possui uma paleta completamente azulada que ao mesmo tempo que nos sufoca, também nos abraça ao final.
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Semilunar – Camilo Solano
Semilunar é praticamente uma música em forma de história em quadrinhos. Não pra menos, nela acompanhamos Maria, que sofre de disfemia – gagueira – mas consegue controlar através da música. Sua mãe é uma cantora que nunca teve sucesso e deposita na filha suas frustrações e expectativas.
Camilo Solano é um grande contador de histórias e em Semilunar ele dá um passo além. Acompanhando o roteiro reflexivo sobre sonhos e ambições, ele também mescla diversas técnicas e tipos de desenho como forma de acompanhar os acontecimentos e pontuar os momentos da narrativa, o que nos faz entrar ainda mais de cabeça no quadrinho.
Como se isso não fosse o suficiente, Camilo também é o mais novo artista da Graphic MSP e será responsável pela hq do Cascão, com lançamento previsto para março de 2020.
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Saudade – Melissa Garabeli e Phellip Willian
Saudade é daqueles quadrinhos que é necessária uma preparação prévia, então fica o aviso: você vai se emocionar.
A história é sobre uma família que encontra um cervo machucado e o leva para casa, mas a avó não gosta muito da ideia e todos precisam lidar com um luto recente enquanto o cervo busca seu lugar na floresta novamente.
Além de um roteiro extremamente tocante, especialmente para quem tem ou teve animais de estimação, a arte totalmente aquarelada de Melissa transmitem ainda mais a sensação familiar de carinho e conforto que um animalzinho nos oferece, assim como toda a delicadeza da história. É tocante.
Inicialmente lançado de forma independente, Saudade ganhou uma nova edição em 2019 pela Bast!, selo editorial focado em publicações de mulheres e minorias.
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Quadrinhos A2 – Paulo Crumbim e Cris Eiko
Os Quadrinhos A2 já se tornaram uma espécie de acontecimento do mercado independente brasileiro. Escrito e desenhado por Paulo Crumbim e Cris Eiko – também responsáveis pelas hqs do Penadinho, do selo Graphic MSP -, já são seis volumes que contam aventuras autobiográficas do casal e seu cachorro Pino.
Sabe aquelas situações extremamente identificáveis que damos muita risada porque lembramos que já passamos por algo parecido? É exatamente isso.
Além do humor, a dinâmica dos dois personagens – e artistas – que são muito diferentes, mas ao mesmo tempo muito parecidos, faz dos Quadrinhos A2 apaixonante.
Os seis volumes foram lançados de forma independente, tendo sido o último em 2019.
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Me Leve Quando Sair – Jéssica Groke
Jéssica Groke se destacou nos últimos anos porque chegou chutando a porta com dois principais diferenciais: obras com traço marcante totalmente em grafite e sem requadros.
Me Leve Quando Sair, lançado independentemente em 2018, é seu primeiro quadrinho e acompanhamos o relacionamento fraternal entre a artista e seu irmão Lucas durante uma viagem à Paraty.
Deixando algumas coisas no subtexto, Jéssica consegue transpor memórias para as páginas de um jeito completamente inusitado. A forma como ela mescla o que deveriam ser quadros, tornam as páginas não só algo de se admirar por longos minutos, mas também transmite a sensação de efêmero que certos momentos e lembranças possuem.
Com apenas uma hq e um zine (Babilônia), ela já saltou para ser publicada pela Editora Mino e entregou no último ano Piracema, da coletânea Tabu – outra publicação que poderia facilmente estar nesta lista.
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Ei, onde estão os grandes quadrinhos feitos por mulheres? – Renata Nolasco
Para finalizar essa lista uma hq curta que não só trás à tona, como também esclarece, onde estão os grandes quadrinhos feitos por mulheres.
Com uma explicação histórica e dados estatísticos, Renata Nolasco nos mostra que a verdadeira pergunta deveria ser: por que eu não vejo os quadrinhos feitos por mulheres?
Lançada impressa de forma independente, a obra se encontra esgotada na loja da artista, mas pode ser lida na íntegra aqui.
A escolha de finalizar nossas indicações com esse quadrinho foi justamente para trazer uma reflexão de que sim, obras incríveis estão sendo feitas no Brasil e muitas delas são produzidas por mulheres e grupos de minorias.
Existem muitos quadrinhos de extrema qualidade no mercado nacional, sempre existiu. Basta dar uma voltada pelo artist’s alley da CCXP, que já é a maior feira do mundo em números de artistas, para se ter uma ideia. Mas se você se interessa pelo assunto, é ainda mais importe procurar visitar eventos como PerifaCon, Poc Con, FIQ e outros que prezam e incentivam a diversidade de artistas e público. Em todas elas você encontrará quadrinistas