Ano após ano a Nemo vem mostrando que está forte na briga pelo topo das melhores editoras do mercado de quadrinhos aqui no Brasil. Isso porque mesmo publicando nomes estrelados como Daniel Clowes, Adrian Tomine e Federik Peeters, ela ainda encontra espaço para alguns ‘desconhecidos’ como AJ Dungo. Desconhecido entre aspas mesmo, porque o lançamento deste mês faturou em 2020 um dos mais importantes prêmios de quadrinhos da França.
Em Ondas é a estreia do artista, na qual ele conta sobre sua falecida companheira e a história do surfe. A divisão entre os dois temas principais é bem clara na colorização, a vida pessoal de Kristen possui tons azulados, já o esporte vem com tonalidades alaranjadas. Não é por acaso que toda a arte é composta por duas cores complementares (ou seja, que estão em posições opostas no círculo cromático), uma vez que assim como as duas narrativas da hq podem parecer um pouco distantes, elas vão entrando em harmonia durante a trajetória.
O surfe pode ser um tema alheio para alguns leitores e no início do material realmente afasta aqueles que tem pouca ou nenhuma afinidade com o esporte, mas AJ vai costurando e emaranhando as linhas do tempo de forma que a partir de um certo ponto você está envolvido e querendo saber mais sobre ambas as tramas.
À primeira vista Em Ondas é a história de Kristen, mas com a leitura do material rapidamente percebemos que não é bem assim. Ela, por exemplo, possui apenas um balão de fala durante as 366 páginas e não é por acaso que a fala “Tá tudo bem.” diz praticamente tudo que precisamos saber sobre sua personalidade. Inclusive a hq possui pouquíssimos balões, sendo o primeiro deles apenas na página 75. A narrativa que se passa praticamente toda em terceira pessoa corre o risco de se tornar enfadonha, mas isso não chega a acontecer porque AJ consegue usar bem os momentos de fala e silêncio. Outro destaque artístico fica por conta de como o autor emprega algumas viradas de página. Repare principalmente nas duplas 168-169 e 170-171 e como ele as usa para identificar a passagem de tempo e espaço.
O quadrinho é uma emocionante homenagem e quase um expurgo do autor, que explica o luto – e o título da obra – de forma brilhante. É difícil não terminar com os olhos marejados, mesmo sabendo desde o começo o que nos espera nas últimas páginas. Mas, além disso, é também a celebração de uma mulher que foi forte e resistiu até o último minuto e agora vive através da arte de seu companheiro. Que a Editora Nemo continue nos trazendo histórias surpreendentes como Em Ondas.