A sigla LGBTQIA+ se desenvolveu ao longo dos últimos anos com o objetivo de incluir outros tipos de vivências que não estavam representadas na antiga GLS. Por muito tempo, lésbicas e outros grupos viveram à sombra da militância focada em homens gays, principalmente até o início dos anos 2000. Por isso, em 1996, o dia 29 de agosto foi definido como dia Nacional da Visibilidade Lésbica, fazendo com que todo o mês seja voltado para lembrar a existência das mulheres lésbicas, além de reivindicar e discutir suas pautas e violências.
Pelo lado dos quadrinhos é relativamente fácil fazer uma lista com personagens LGBTQIA+. Mas se pensarmos bem, a grande maioria dos integrantes desta lista será composta por homens (e brancos). Os poucos beijos gays publicados pela Marvel Comics, por exemplo, foram todos protagonizados por personagens masculinos.
Quando falamos de personagens lésbicas a tarefa fica mais árdua. Roteiristas, que em sua grande maioria são homens hetéros cis, caem no clichê do relacionamento lésbico fetichizado. Um exemplo disso é a publicação Mulher Maravilha – Terra Um, uma das primeiras a abordar o fato de que se Thesmycira é uma ilha apenas de mulheres, é óbvio que existem diversos relacionamentos lésbicos nela. Mas o material já começa errando quando o visual da própria Diana é inspirado em uma atriz pornô. Não que ter essa profissão seja um problema, nada disso. Mas qual será que era o objetivo de um grupo de homens cishet produzirem uma HQ com relacionamentos lésbicos, na qual a personagem principal tem essa inspiração? Inclusão definitivamente estava lá embaixo na lista de prioridades.
Outra situação com a qual é bem comum nos depararmos nos quadrinhos são as personagens determinadas inicialmente como lésbicas e que, durante o percurso da história, acabam se envolvendo com o personagem masculino. Sexualidade não necessariamente é algo imutável. Pessoas podem redescobrir suas sexualidades a cada passar de ano. O problema está no objetivo com qual essas tramas são utilizadas nas hqs, que geralmente é unicamente para enaltecer ainda mais o homem que já é o foco da trama.
É por isso que obras que mostrem a vivência lésbica ainda estão em falta, assim como também estão em falta obras que mostrem a vivência bi, trans, queer, intersexo, assexual e todas as outras. Precisamos de criadores – no caso das hqs, roteiristas, artistas e editores – que tenham essa vivência criando suas próprias histórias. Caso contrário, estamos fadados aos clichês e representatividade vazia.
Para finalizar, deixamos algumas indicações de obras que contém personagens LGBTQIA+, principalmente lésbicas, com o objetivo de análise e reflexão.
Pode conter pequenos spoilers das obras citadas.
Batwoman – Editora Panini
Batwoman é a primeira super-heroína assumidamente lésbica dos quadrinhos. Ela é uma ex-oficial que teve sua carreira militar destruída pelo simples fato de se recusar a mentir sobre quem realmente é. Apesar de suas hqs mostraram bastante seus relacionamentos, ainda assim ela tem “bat” no nome e não deixa a desejar nas cenas de luta e ação.
Estranhos no Paraíso – Editora Devir
Em Estranhos no Paraíso acompanhamos a vida de um trio de amigos, na qual Katchoo se apresenta como mulher lésbica. Ela tem um passado complicado, o que faz com que o trio enfrente algumas aventuras. Com o passar da história, o trio – composto por duas mulheres e um homem – acaba virando uma espécie de triângulo amoroso.
Fun Home – Editora Todavia
Alison Bechdel é um ícone de representatividade lésbica dos quadrinhos. Seu primeiro trabalho foi muito elogiado, as tirinhas Dykes To Watch Out For na qual escrevia e desenhava sobre mulheres lésbicas em plena década de 80. Foi ali, inclusive, que surge o famoso Teste de Bechdel, para a análise da representação de mulheres em filmes.
Fun Home é seu trabalho mais famoso. Nele acompanhamos a difícil relação da autora com seu falecido pai, um homem que nunca assumiu sua homossexualidade.
Você é minha mãe? também é outro trabalho dela que vale muito a pena. Neste, utilizando conceitos da psicanálise, ela vai afundo na relação com sua mãe.
Paper Girls – Editora Devir
O que acontece quando uma guerra pelo domínio da viagem no tempo tropeça com um grupo de quatro meninas vivendo no meio dos anos 80? Paper Girls é um típico coming of age feminino com um background de ficção científica. Como toda história de amadurecimento e crescimento, também está presente a sexualidade. Sem entrar muito em spoilers, Paper Girls é um estudo de pontos de virada de personagens e da própria vida.
O material irá ganhar uma adaptação seriada para o Prime Video.
Arlindo – Websérie Independente
Arlindo é uma das melhores coisas que está acontecendo na internet atualmente. Desde o ano passado, a artista Ilustralu dá um pouco de esperança – e as vezes ansiedade – nos corações LGTBTQIA+ que acompanham essa história.
Arlindo é o personagem principal da websérie que é recheada de cores, hits dos anos 2000 e descobrimento. As páginas são postadas de terças e quintas nas redes sociais da autora. Dica: fiquem de olho em Liz!