[Atenção! O texto a seguir contém alguns spoilers da série]
No dia 5 de fevereiro, a Netflix estreou sua mais nova produção nacional, Cidade Invisível. Criada por Carlos Saldanha, a série foca na história de Eric (Marco Pigossi), um detetive da polícia ambiental que, após a morte de sua esposa, passa a se ver em meio a mistérios que envolvem alguns dos grandes personagens da cultura nacional.
Mostrando a força e a importância de um dos grandes alicerces da história brasileira, a série retrata de forma cativante os poderes e todo o lado mágico de criaturas como Cuca (Alessandra Negrini), Iara (Jéssica Córes), Saci (Wesley Guimarães) e Curupira (Fábio Lago), desde o momento de suas respectivas histórias em que tornaram-se entidades, até serem inseridos a olho nu em meio à nossa sociedade, ao mesmo tempo em que explora o lado humano dos personagens, com suas preocupações, medos e angústias.
No entanto, apesar da magia e o suspense por trás do Corpo Seco serem os grandes carros chefe da série, uma das coisas que mais me chamou a atenção foi uma questão paralela. Em dado momento, a série explica o que há por trás do passado de Eric, mostrando que sua mãe sofria de depressão, e acabou não tendo a chance de criar laços com o filho por ter sido internada numa clínica psiquiátrica, onde acabou suicidando-se. Ao investigar a história a fundo, Eric descobre que ela sofria, na verdade, de depressão pós-parto, e que a origem do transtorno foi o abandono daquele que seria seu pai – revelado mais tarde ser Manaus (Victor Sparapane), o Boto Cor-de-Rosa. Apesar de ser uma mera coadjuvante para a trama principal, toda essa história me fez pensar muito sobre a depressão pós-parto, e a importância de se falar dessa doença.
A depressão pós-parto acontece quando a mulher desenvolve um sentimento de tristeza e desespero constante cerca de quatro semanas após dar à luz, fazendo-a sentir-se desmotivada e incapaz de lidar com a nova rotina. Além disso, também caracteriza o quadro a falta de interesse nas coisas e atividades que faziam parte da rotina da mulher, como assistir séries, ler livros ou até mesmo pelo próprio trabalho.
As causas podem ser bastante variadas, indo desde aspectos físicos – como a queda de hormônios durante a gravidez, podendo evoluir para o quadro de depressão – e emocionais, como a falta de sono e pressão psicológica da nova rotina, até dificuldades de adaptação ao antigo estilo de vida, como o aumento de gastos por conta do bebê e até mesmo a falta de apoio e atenção de membros da família (inclusive o próprio marido). Dentre os sintomas mais comuns estão as alterações hormonais, provocando mudanças de humor constantes e alta irritabilidade; dificuldades para dormir; transtornos alimentares; baixa auto estima, em que a mulher passa a se sentir menos atraente; perda do desejo sexual ou atração pelo(a) parceiro(a) e até mesmo alguns transtornos mentais, como ansiedade e crises de pânico.
Apesar de serem raros os casos, a depressão pós-parto pode evoluir ainda para um quadro extremo, sendo conhecida como psicose pós-parto. Envolvendo distúrbios de bipolaridade, o transtorno diferencia-se da DPP por sintomas como a falta de conexão da mulher com o bebê e com pessoas que a cercam, pensamentos confusos e desconexos com a realidade, podendo incluir ainda alucinações, e mudanças drásticas de humor, seguidas de comportamentos bizarros e até mesmo obsessivos com a criança.
Em Cidade Invisível, a causa principal da DPP que Márcia (Áurea Maranhão) sofria foi o abandono de Manaus, por quem havia se apaixonado perdidamente e, após contar que estava grávida, desapareceu para sempre. Nas poucas cenas em que ela aparece na série, já com Eric criança, é possível ver como a depressão pós-parto estava num quadro bastante avançado pois, além da total falta de interação com o filho, que passou a ter pesadelos constantes e dificuldades para dormir, ela acabou tendo que ser internada numa clínica psiquiátrica, onde, apesar de receber ajuda médica, continuou obcecada com o abandono do amado, e acabou suicidando-se.
Por envolver alterações hormonais e de humor nas mulheres, durante muito tempo a depressão pós-parto não foi levada a sério pela medicina, tendo em vista que traços como estes eram considerados “tipicamente femininos” e passageiros. Mas o transtorno deve ser tratado com a devida importância, tanto por envolver a saúde da mulher, quanto do bebê, que sofre também as consequências. Como mostrado em Cidade Invisível, pelo fato da mãe estar muito deprimida, acabou cuidando menos do filho, criando um relacionamento distante numa das fases mais importantes da vida da criança. Mulheres que sofrem de depressão pós-parto devem procurar ajuda médica para iniciar o tratamento, que inclui o uso de antidepressivos, aconselhamento psicológico e terapia hormonal.