CRÍTICA: The Crown – 4ª Temporada

A tarefa de produzir uma série baseada em fatos não é nada fácil, ainda mais quando os acontecimentos estão tão vívidos na memória coletiva. A incumbência pode se tornar menos árdua quando a realidade é utilizada apenas como ponto de partida (ou de chegada) para o enredo. É exatamente nesse meio do caminho que reside o maior trunfo de The Crown.

A quarta temporada da série que conta os bastidores da família real britânica já prometia mesmo antes de lançar seu primeiro trailer. Com as presenças confirmadas de Margaret Thatcher e Diana Spencer, cada foto divulgada das atrizes Gillian Anderson e Emma Corrin era a confirmação de mais uma temporada de alto nível para a produção. E sim, ela entregou.

Se passando entre 1979 a 1990, o novo ano de The Crown mudou de foco pela primeira vez. Se nas primeiras temporadas acompanhamos de perto o crescimento e amadurecimento da Rainha Elizabeth (Claire Foy/Olivia Colman), seu casamento com Phillip (Matt Smith/Tobias Menzies) e as aventuras de sua irmã Margaret (Lesley Manville/Helena Bohan Carter), agora o enredo se foca em acompanhar mais o Príncipe Charles (Josh O’Connor) que já crescido precisa se casar e “escolhe” – por uma grande influência e pressão da família – justamente Diana. Gravitando ao redor da família real sempre tivemos bastante destaque para o primeiro-ministro, que, neste caso, é a primeira mulher a ocupar o cargo, Margaret Thatcher.

Príncipe Charles e Princesa Diana em The Crown. Divulgação

Com esse plano de fundo, a série entrega tudo aquilo que já estamos acostumados: muita intriga familiar, jogos de poder e desilusões. Charles acaba ocupando o lugar de “vilão”, antes de Phillip – que nesta temporada definitivamente se encontrou e entendeu seu papel naquela família, algo que o próprio deixa claro num diálogo com Diana -, mas o roteiro é muito eficiente em nos dar um contraponto, lembrando como Charles praticamente cresceu longe da mãe e sem afeto, sempre condicionado em pensar exclusivamente no seu papel como próximo regente, algo que Diana se esforça para fazer diferente com seus próprios filhos.

Thatcher é historicamente colocada em oposição à Rainha, por algumas dezenas de razões às quais The Crown pontua habilmente. Mas talvez a principal delas seja o ímpeto de agir. Enquanto a monarca possui uma atitude muito mais moderada e controlada – chegando a dizer com todas as letras em determinado momento que tudo se resolve por si só -, a primeira-ministra é mais feroz e assertiva, comportamentos justificados pelos respectivos cargos. A dinâmica entre ambas é extremamente interessante, não só pelas já esperadas alfinetadas, mas também pelo respeito demonstrado.

Margaret Thatcher em The Crown. Divulgação

É impossível falar desta temporada sem se demorar um pouco em Diana Spencer. A Princesa que alegrou o mundo todo, talvez a única considerada à altura do título até então. Ver sua juventude e sonhos ruindo diante dos nossos olhos, presa à um casamento fadado ao fracasso desde o início, a falta de amor em uma família tão diferente dela e suas inúteis tentativas de aproximação, chega a ser agoniante. A cena em que Lady Di abraça a Rainha sem receber retribuição é tão representativa que chega a marejar os olhos.

Falar que o elenco de The Crown está magnífico pode até ser considerado um pleonasmo. As inclusões de Gillian Anderson, Emma Corrin e Josh O’Connor, principalmente, adicionam ainda mais brilho ao que já vinha sendo feito por Olivia Colman e companhia desde a temporada passada. Mas o maior destaque definitivamente fica para a cena na qual temos Claire Foy de volta. A saudade que dá dos primeiros anos é rapidamente substituída pela percepção de que não foram só os atores que mudaram, mas também nos damos conta do quanto aqueles personagens evoluíram.

Além disso, é necessário destacar um episódio em especial: Fagan. Nele vemos a história de Michael Fagan, um homem que conseguiu invadir o Palácio de Buckingham, inclusive o quarto da própria Rainha, em 1982. O episódio é tão interessante justamente por se passar praticamente todo fora da realeza. Nele vemos as consequências devastadores sofridas pela população das decisões tomadas pelo topo da sociedade. Ele serve bem para nos lembrar o quanto tudo aquilo que estamos acompanhando na monarquia é descolado da realidade – assim como o já famoso rato que aparece em um dos episódios e que mostra a decadência daquele sistema.

Se enganou quem pensou que iríamos ver um embate direto entre três grandes mulheres: Rainha Elizabeth, Thatcher e Diana. O que presenciamos são relações complicadas de mulheres muito diferentes entre si e que estão dando o melhor que podem dentro de suas respectivas circunstâncias e vivências e, ainda assim, precisam lidar com o preconceito vindo de todos os lados.

A quarta temporada de The Crown chegou para garantir seu lugar no topo da lista de melhores séries e mostra que é, com facilidade, uma das melhores produções atuais da Netflix. O próximo ano, que contará novamente com troca de elenco, não chegará rápido o suficiente para nossa ansiedade.

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