Rotular uma produção como ficção cientifica é um tanto quanto abrangente, considerando que o termo se refere a materiais que lidam com conceitos relacionados ao futuro, ciência e tecnologia e os impactos destes na sociedade representada. Essa descrição é o suficiente para trazer à mente ótimas séries – e muitas delas icônicas – como Twilight Zone, Star Trek, Docto Who e até Dark. A lista de filmes é ainda maior: 2001: Uma Odisseia no Espaço, Alien, Blade Runner, A Chegada, Contatos Imediatos de Terceiro Grau e por aí vai.
Com listas tão extensas, pode ser uma tarefa árdua e com um resultado provavelmente injusto tentar dar um título de melhor seriado sci-fi, mas a realidade é que Battlestar Galactica não só segue a cartilha da ficção científica à risca, como entrega com muita qualidade todo o resto que se espera de uma produção televisiva: roteiro, personagens, ação, fotografia e revelações surpreendentes. E a boa notícia é que ela está disponível na íntegra no Prime Video.
A primeira série de Star Trek (1966) definitivamente pavimentou o caminho para conteúdos espaciais e é necessário reconhecer seu pioneirismo. Foram só doze anos depois que a Battlestar Galactica original surgiu, passando-se na única nave de batalha sobrevivente de um ataque das máquinas criadas pela própria humanidade, os Cylons. Com apenas uma temporada e vinte e quatro episódios, esse plot inicial foi repaginado e utilizado em uma nova versão que chegou em 2004. Essa sim, a obra maravilhosa a qual esse texto se refere.
Iniciando-se em uma minissérie de dois episódios com uma hora e meia cada, praticamente um telefilme, vemos o pontapé inicial da história: a destruição da raça humana, que durante séculos viveu em doze planetas, cada qual com sua função. Como em todo bom sci-fi, essa humanidade precisa lidar com sua própria criação, os Cylons. Após estes se rebelarem, foi acordada uma trégua na qual as máquinas viveriam isoladas em um planeta distante sem interferir na vida de seus criadores. Tudo muda quando descobrimos que agora os Cylons possuem uma aparência idêntica aos humanos. A partir daí, um ataque às doze colônias é realizado e apenas algumas poucas naves – as que não possuem conexão em rede, afinal as máquinas conseguem rapidamente hackear sistemas tecnológicos – conseguem sobreviver em órbita, entre elas a que dá nome ao seriado: Battlestar Galactica, uma nave de guerra que estava à beira da aposentadoria. E acredite, esse são só os primeiros minutos do primeiro episódio. Após isso, passamos a acompanhar o dia a dia do que restou da raça humana, sua reestruturação como sociedade, e todos os problemas trazidos pela sobrevivência em órbita.
Battlestar Galactica consegue manter um roteiro poderoso do início ao fim, discutindo temas muito humanos – mesmo nas relações dos Cylons – como sobrevivência, lealdade, política e religião, sem deixar a peteca cair. Temporada após temporada (são quatro no total) falamos para nós mesmos “esses roteiristas não têm mais para onde ir”, mas eles conseguem e a gente nem faz ideia do que nos espera. Algumas viradas são de cair o queixo e nos fazer agradecer por ter o próximo episódio a um clique de distância.
Se a pluralidade de discussões não fosse o suficiente, a série oferece uma gama incrível de personagens cativantes e reais. Para citar os principais: o comandante da Battlestar, Bill Adama, representante máximo do poder militar dessa nova sociedade e que está sempre disposto a tomar as decisões difíceis em prol de seu povo; a presidente Laura Roslin, o lado político da trama; Starbuck, a melhor piloto de toda a frota e completamente inconsequente; Gaius Baltar, que amamos odiar e evolui tanto durante as temporadas que é impossível descrever seu papel; os próprios Cylons, em especial duas delas, que são tão essenciais que qualquer comentário se tornaria um spoiler. Toda a gama de personagens mostra o quanto a humanidade, e até suas próprias criações, não são infalíveis e precisam lidar com as consequências de seus atos, mas nem sempre aprendendo com isso.
É claro que uma produção dessa não poderia deixar de ter aquilo que a gente também gosta, batalhas no espaço. É luta atrás de luta, entre naves pequenas, naves grandes, corpo a corpo, com e sem estratégia… e a maioria delas vai te deixar na pontinha da cadeira de ansiedade. Aliás, engana-se quem pensa que por ser de 2004 a série pode não oferecer bons efeitos visuais. A maior parte dessas cenas é boa até para os dias de hoje e as poucas que não são, não incomodam.
É quase impossível taxar uma produção televisa como perfeita e Battlestar Galactica tem alguns problemas pontuais sim! A primeira temporada possui 13 episódios, mas a partir daí saltamos para 20 em cada um dos anos posteriores, acontecendo a famigerada “barrigada”. Principalmente no ano dois, temos alguns plots que são esquecidos posteriormente. Ainda sim, mesmo com alguns poucos núcleos um pouco cansativos, eles acabam se tornam importantes futuramente.
Outro ponto negativo é que a série demora muito para inserir o telespectador dentro do lado Cylon, nos deixando em contato apenas com os infiltrados. Isso atrapalha um pouco o desenvolvimento do arco das máquinas e, claro, nossa conexão com elas. Quando realmente entra de cabeça nisso – nas duas últimas temporadas – fica aquele gostinho de querer ter acompanhado desde o começo.
Battlestar Galactica possui um final fechado e bastante emocionante. Com um pé no sobrenatural (eu avisei que ela seguia à risca o termo ficção científica), pode-se dizer que o encerramento é um pouco previsível, mas muito coerente com o que foi apresentado ao longo da série.
Uma nova versão da série já está anunciada pela NBCUniversal. Sem data de estreia até o momento, ela será produzida por Sam Esmail, a mente principal por trás da ótima Mr. Robot e produtor de Homecoming. Esmail afirmou que não se tratará de um reboot, mas sim de uma série original. Aguardemos.
Se esse texto atingiu seu objetivo e a vontade de assistir Battlestar Galactica bateu, não esqueça que você deve começar pela minissérie e depois partir para as temporadas (tudo está disponível no Prime Video). Por aqui, continuarei reassistindo sem parar a melhor uma das melhores séries de sci-fi já feita.
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