Sinopse: Em um verão tedioso, os jovens Aristóteles e Dante são unidos pelo acaso , embora sejam completamente diferentes um do outro, iniciam uma amizade especial, do tipo que muda a vida das pessoas e dura para sempre. E é através dessa amizade que Ari e Dante vão descobrir mais sobre si mesmos – e sobre o tipo de pessoa que querem ser. Dante sabe nadar. Ari não. Dante é articulado e confiante, Ari tem dificuldade com as palavras e dúvida de si mesmo. Dante é apaixonado por poesia e arte, Ari se perde em pensamentos sobre seu irmão mais velho, que está na prisão. Um garoto como Dante, com um jeito tão único de ver o mundo, deveria ser a última pessoa capaz de romper as barreiras que Ari construiu em volta de si. Mas quando os dois se conhecem, logo surge uma forte ligação. Eles compartilham livros, pensamentos, sonhos, risadas – e começam a redefinir seus próprios mundos. Assim, descobrem que o amor e a amizade talvez sejam a chave para desvendar os segredos do Universo.
Autor: Benjamin Alire Sáenz
Tradutor: Clemente Pereira
Editora: Seguinte
Ano de publicação: 2012
Ano desta edição: 2014
392 páginas
“Aristóteles e Dante descobrem os segredos do universo”, livro de Benjamin Alire, professor e escritor, foi publicado em 2012. Sempre chamou a minha atenção nas prateleiras infanto-juvenil, imaginando que seria um livro sobre ficção cientifica ou fantasia. Resolvi ler em 2020, ao vê-lo em uma lista de livros LGBT e ao descobrir que o escritor terminou a continuação ainda esse ano, com o projeto confirmado para adaptação cinematográfica. Quando comecei, não consegui parar de ler. Não era nada fantasioso, e sim, a simples história de dois meninos aos 15 anos, em 1987. A narração simples, sútil e no ponto de vista de Ari me prendeu completamente com personagens tão reais que pareciam palpáveis, e uma sensibilidade cuidadosa, como se o Autor realmente amasse os personagens que criou. É impossível não se apaixonar por Dante Quintana aos olhos de Ari, que o descreve como um intelectual, bem humorado e um rapaz extremamente carinhoso. É bonito e doloroso entender Aristóteles, que passa pela adolescência de forma melancólica e confusa, nos questionando os segredos do universo. A ligação dos dois é explicada de forma tão delicada e sútil, que em certa parte do livro eu me perguntei se realmente era um romance… e era. Me arrisco a dizer que o ponto mais bonito desse livro não era sobre o amor dos pais de cada um, a construção de cada personagem, a cultura ou as recomendações de livros de Dante. O ponto mais bonito desse livro é ver Aristóteles se apaixonando por Dante, seu melhor amigo, de forma tão singela que nem ele mesmo percebe.
A representatividade Latina de Aristóteles e Dante
O cenário do livro se passa em El passo, uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de El Paso. Em suas primeiras páginas, narradas por Aristóteles, somos introduzidos ao fato de que o personagem é bastante agregado a cultura latina. Ele descreve o início do verão de 1987, ouvindo na rádio a famosa música “La bamba” interpretada por Richie Valens, americano descendente mexicano, que morreu precocemente em um acidente de avião. Ainda no primeiro capítulo, fica claro as referências culturais mexicanas, como Ari fazendo piadas com sua mãe e usando a camisa de Carlos Santana, músico mexicano que segundo ele, “meu pai me deu de aniversário”. Nota-se que, o mundo de Aristóteles Mendonza é nitidamente introduzido na cultura mexicana. Ao longo do livro, citam-se comidas, gírias mexicanas, seu conhecimento da língua espanhola. Diferentemente de Dante, que descobrimos de forma sútil, ao longo do livro, que ele também tem descendência mexicana, quando Ari é apresentado ao pai de Dante.
“Ele me apresentou ao pai, que era professor universitário. Nunca tinha conhecido um americano de família mexicana que fosse professor do departamento de inglês em uma faculdade.”
Quando somos apresentados ao mundo de Dante Quintana, é notável as pequenas diferenças culturais entre os personagens. Quando somos introduzidos ao mundo de Ari, temos mais de quatro referências culturais mexicanas, principalmente musicais. Quando Dante mostra seu quarto, ele logo coloca “Abbey Road”, álbum musical dos Beatles, alegando ser seu favorito, ao contrário de Aristóteles, que canta “Los lobos” e Carlos Santana. No decorrer da história, os diálogos entre os dois deixa claro o desconforto de Dante sobre os costumes mexicanos, onde Aristóteles diz que ser mexicano claramente o incomoda, e então, ele afirma que é o contrário, ele que tem a impressão que os mexicanos não gostam dele. Ele diz que não sabe falar espanhol muito bem, e somos apresentados a expressão “Pocho”, quando Ari o chama de “um mexicano meio-tigela”. Dante fala que sente vergonha, por ser considerado um “intelectual”, com seu conhecimento por livros, arte, seu inglês culto e seu espanhol ruim. Ele explica que se sente uma aberração, perto dos seus primos maternos, que são “mexicanos de verdade” e nós explica que a sua mãe teve que brigar com a própria família para ir a faculdade e estudar psicologia, conhecendo seu futuro marido, citando também seus avós paternos, que falam apenas em espanhol.
“É como se meus pais tivessem criado um mundo completamente novo para si, e eu vivo nesse mundo, só que eles entendem o mundo de onde vieram…. e eu não.” Dante então, vive em um “Complexo de nacionalidade”. Ele não se sente mexicano porque não entende a cultura, consequência da criação de seus pais, porém, não se sente americano, também.
A vergonha de Aristóteles encoberta de raiva.
O livro inteiro é sob o ponto de vista do melancólico Ari, o que nos proporciona uma leitura simples, devagar e intensa. Normalmente, a única crítica negativa sobre esse livro é que nunca entendemos o ponto de vista de Dante e que a narração tem poucos acontecimentos, deixando os sentimentos de Aristóteles apressados demais para o final. Entretanto, acredito que essa tenha sido a intenção do autor. Desde o início do livro, o narrador personagem contém muitos sentimentos dentro de si, o que acredito que sua família possa ter influenciado. O seu pai, que foi pra o Vietnã, nunca contou o que aconteceu na guerra, que o assombra até hoje. Ari sente raiva com o fato de seu pai não se abrir com ele. Ele sente raiva por ninguém falar sobre seu irmão mais velho, Bernardo, que está preso. Ele sente raiva de sua mãe, por falar que ele não possui amigos, e até mesmo, raiva de Dante, e o mesmo não entende o porquê.
“Havia tantos fantasmas em nossa casa…o fantasma do meu irmão, os fantasmas da guerra do meu pai, e os fantasmas das vozes das minhas irmãs. E eu achava que havia fantasmas desconhecidos dentro de mim. Estavam lá, a espera…”
Primeiramente, vale ressaltar que Aristóteles admite para si mesmo que sente vergonha, mas não sabe a razão disso. O personagem não admite pensar em seus sentimentos e entende-los, ele sente e os ignora. Mesmo sendo cansativo para o leitor, é de fato interessante entender como a mente de uma pessoa melancólica e que se esconde dentro de si mesmo funciona. É o tipo do livro que é recomendado ler duas vezes, pois os sentimentos dele sobre Dante são altamente sutis, mas estão lá, nas entrelinhas. O motivo da sua vergonha de si mesmo, raiva descontrolada e a imagem de uma personalidade depressiva, é explicado quando você parar para refletir sobre. Ari não é criado sob mentiras, mas sob omissões. Existem fantasmas em sua casa e em sua família, entretanto, ninguém fala sobre, deixando marcas no adolescente, visto que o mesmo não entende sua sexualidade. Assim, entendemos no final que Aristóteles não se sentia livre em sua própria mente e corpo, não sabendo expressar seus pensamentos e compreendê-los.
Pais podem ser compreensíveis também.
Em uma grande maioria de livros e filmes LGBT, somos enxurrados de pais homofóbicos, vergonha e violência. Aristóteles e Dante nós mostra que o mundo é cruel, principalmente na década de 80. Dante é espancado por estar beijando Daniel, seu colega de trabalho, em um beco na cidade, proporcionando a Ari uma imensa raiva. Porém, o livro nós mostra que pais podem ser amáveis, saudáveis e um porto seguro. Dante possuiu pais afetuosos e bem humorados, que o aceitam e o protegem sem protestar, quando o mesmo se assume para os pais. O autor não faz disso uma grande coisa no livro, ele nós ensina que é normal. Deveria ser normal pais aceitarem seus filhos como são. Ao longo da história, somos introduzidos a uma personagem que faleceu, tia Ophelia. Irmã da mãe de Ari, Ophelia era muito amada pelo pais de Ari, Lily e Jamie. Jamie conta em uma conversa com Ari, que quando seu irmão mais velho, Bernardo foi preso, Ari passou quase um ano lado de sua tia e ela o adorava. Ari então se pergunta porque apenas seus pais e irmãs visitavam sua tia, pois o resto da família não concordava com seu estilo de vida, logo não demorou pra ele entender: Tia Ophelia vivia com sua companheira de vida, Fanny, e seus pais eram os únicos que a aceitavam. Foi uma parte do livro que eu, particularmente, achei muito bem encaixada na história, pois foi o pivô de, finalmente, a família Medonza se abrir um com o outro. Eu dei um suspiro aliviada ao ler, pois é como um aviso prévio, acalmando o leitor. “Os pais de Ari vão ama-lo e aceita-lo, podem ficar calmos.” E eu adorei essa naturalização do amor familiar, onde Ari finalmente escuta o seu pai… e o ver chorar, e a história sobre seu irmão finalmente é esclarecida. Portando, a família é algo muito importante para o desenvolvimento desse livro, pois é assim que Aristóteles admite, para si mesmo, que é apaixonado por Dante. Nesse livro, os pais são uma força invisível de compreensão na jornada dos filhos.
Novidades sobre a sequência e filme
O autor nós confirmou em julho de 2020 que a sequência está finalizada e terá 500 páginas. O título inicialmente seria “Haverá outros verões” mas segundo o mesmo, irá mudar. Ainda não temos data de lançamento, mas provavelmente será lançado em breve. Ainda não temos informações sobre o filme, mas o autor postou em seu twitter:
“Por favor, fiquem atentos para um anúncio sobre a sequência de Ari e Dante. E por favor, também fiquem atentos para uma atualização sobre O FILME. Mantenham seus ouvidos bem abertos. Haverá dança nas ruas”, escreveu Sáenz.
Benjamim não postou mais informações sobre o livro, mas nós deixou o emocionante tweet:
“Ari & Dante vieram de um espaço silencioso que vive dentro de mim, um homem envelhecido. Eu escrevi e eu era um garoto apaixonado de novo. Dois meninos saíram do meu coração ferido – e agora eles pertencem mais aos meus leitores do que a mim. Isso me deixa triste e me faz feliz também”, disse.
1 comentário
Eu simplesmente achei sensacional a análise deste livro, o modo como a escritora argumenta sobre esta obra, da pra ver o fascínio que ela teve ao escrever, e VC consegue ver isso muito bem nas linhas em que ela simplesmente consegue “dançar com as palavras” independente da “música”. Eu sou uma pessoa apaixonada pela leitura, principalmente Russa, estou começando a sair um pouco desse universo e deslumbrar outras literaturas…e quando eu vejo algm que se entrega a uma análise tão minuciosa e bem feita de um livro isso me motiva ainda mais…a história de Aristóteles e Dante foi muito bem argumentada nessa análise, VC consegue ver que muitos dos problemas na década de 80, em relação aos homossexuais, está muito vigente no cenário contemporâneo, e uma análise como essa nos fala basicamente a sociedade na qual estamos vivendo, extremamente homofóbica. Por fim, gostaria de agradecer mais uma vez a equipe “Geek e Feminist” e a escritora Thalyta Reis da Silva, pela sua magnífica análise, espero encontrar mais textos de sua autoria por aqui, pois não encontramos uma inteligência literária desse nível em qualquer lugar. Uma boa semana a todos.