CRÍTICA | Jurassic World: Domínio, onde a história também é extinta

Pode não parecer, mas já se passaram 29 anos desde que tivemos Jurassic Park, com Steve Spielberg dirigindo e trazendo à Hollywood a volta de animais pré-históricos que acabaram caindo no gosto do público com seus efeitos especiais espetaculares, sendo práticos ou não e influenciando muitos a seguir o ramo da paleontologia. Quem diria que animais pré-históricos voltariam e viveriam em um parque. O quão errado isso daria?

Jurassic Park foi um marco para muita gente. O fascínio pelos dinossauros – um dos seres mais perigosos que já passaram pelo nosso planeta – fizesse com que o público se interessasse não só pelo seu comportamento e sobrevivência, mas também (ao menos) ficar na torcida para que eles vencessem os seres humanos, trazendo na bagagem caos e destruição. “O mais forte sobrevive”, como dizia Darwin.

O que pode esperar de Domínio?

Quando falamos de um fim de uma das franquias mais lucrativas do cinema, temos a franquia de Jurassic Park sendo a primeira com um maior retorno financeiro em Hollywood, superando até MCU (Forbes). Isso gera uma responsabilidade gigante para fechar com chave de ouro todos esses quase 30 anos de dinossauros sendo vistos em tela grande.

Com o retorno do diretor, produtor executivo Colin Trevorrow junto à Emily Carmichael fechando o roteiro e Steven Spielberg atuando como produtor executivo, eles aceitaram o desafio e lá em  2018 foi anunciado o terceiro filme e encerramento dos dinossauros no cinema.

O trio de protagonista atuais Owen, Claire e Maise de Reino Ameaçado estariam de volta, claro, mas agora com adição de um time já conhecido na franquia e amado por todos também retornariam: o paleontólogo Alan Grant, a paleobotânica Ellie Sattler e o divertido matemático e teórico do caos Ian Malcolm. Uma grata surpresa, depois de não vermos mais os três juntos desde o primeiro filme. Mas o que daria muito errado que os traria de volta nessa nova aventura cara a cara com novos dinossauros?

Quem domina agora? Um dos seres mais perigosos que já passaram planeta e que agora estão soltos no mundo outra vez ou os humanos, agora com suas tecnologias mais avançadas? Isso que seria o pontapé para o retorno deles?

O roteiro? Foi extinto junto com os dinossauros!

O roteiro que Colin Trevorrow junto à Emily Carmichael desenvolveu, não tornou o final da franquia como haviam prometido: ser épico (e isso me doeu profundamente ao assistir e escrever isso). O roteiro traz críticas sobre tráfico de animais, teste em animais na fabricação de cosméticos e o retorno do “brincar de Deus” que não dá muito certo quando há ganância, poder e principalmente o controle que os seres humanos querem ter sob tudo e todos.

Sabe quando você tem várias ideias e quer colocá-las dentro de um lugar e trabalhar com todas elas, ao mesmo tempo? É isso que acontece aqui. Os grandes problemas foram ritmo, o desenvolvimento dessas ideias, montagem e a resolução (que chamo de tapa buraco) de algumas ideias realizadas e não realizadas na franquia original.

Do primeiro ato do filme até a metade do segundo ato, temos a apresentação das histórias de cada núcleo dos elencos, cheio de subplots… e assim, até chegar no plot principal, é um caminho bem longo e num ritmo lento. Um ritmo onde você chega a se perguntar até quanto tempo que ficará nisso e não “muda o disco”: “Quando veremos os dinossauros correndo atrás dos humanos? “Quando que o trio da franquia original vão retornar a ação após todo esse tempo que ficamos sem vê-los?” “Será que ainda estão com a mesma essência quando ficam cara a cara com dinossauros como era antigamente?” “Interessante isso, mas como vai ficar daqui pra frente?” e muitos outros questionamentos do novo plot te instigando ainda mais.

Ao mesmo tempo que o ritmo é lento para chegar ao ápice, o filme escancara em correria por falta do desenvolvimento dessas ideias. Menos racionalidade e mais ação, é basicamente isso – o que não é muito diferente dos filmes de Hollywood atuais que prezam mais ação do que desenvolvimento da história, de fato. Optar por ter cenas de ação e não concluir o que está sendo proposto, é um erro grave nessa altura do campeonato, ainda mais com a escolha de um caminho que engloba não só a nova história, como personagens já passados na franquia – mesmo que brevemente.

Só para vocês terem uma ideia: antes de chegarmos ao ápice da história principal desse filme, temos ao menos três subplots relacionados à Jurassic World e a Jurassic Park e que são separados dela. Além disso, temos mais três subplots dessa nova história, mas agora com a junção do elenco das duas franquias. Quando chegamos finalmente na linha da nova história principal, ela termina e ainda faltando um gostinho de “quero mais” e “cadê o épico?”

Mas você fala tanto das cenas de ação, pelo menos estão boas? Estão, pelo menos grande parte delas. Temos dinossauros no mar, na neve, nas ruas da Itália perseguindo motos, no telhado, em minas… e é por isso que há várias cenas de ação. Como disseram depois da cabine, parecia mais um “mais velozes, mais dinossauros”. O encaixe de cenas de ação só faria mais sentido no final, quando temos o ápice, mas infelizmente é o tempo todo, basicamente.

Com um roteiro meia boca, tivemos outro problema: a montagem das cenas. Parecia que o lugar escolhido era completamente pequeno, aparecendo até que personagem A que está num lugar y e vai se comunicar com um outro personagem B num lugar x – onde os cenários são completamente diferentes – estão lado a lado. Em um momento está em um lugar, piscou e os personagens estão no mesmo local. Isso não acontece em uma vez, mas diversas vezes inclusive.

O uso de CGI e animatrônico não há muito o que falar, já que eles utilizam muito bem nas cenas de perseguição, por exemplo. O que mais me surpreendeu positivamente é a presença maior de mais animatrônicos, algo que acredito eu que o diretor tenha ouvido as críticas na falta deles nessa nova franquia – e confesso que queria ter um desse aqui em casa. Ver o trabalho minucioso e muito bem feito de reproduzir seres já extintos à milhões de anos através da atribuição do trabalho da Paleontologia.

Elenco salva pelo menos?

Falar sobre elenco nesse filme é um tópico um tanto quanto complicado, mas não só por lidar com o retorno de personagens antigos já estabelecidos na franquia, mas sobre como iriam lidar com dois elencos que unem o passado e o presente durante esses quase 30 anos de Jurassic Park.

A volta de Alan Grant, a paleobotânica Ellie Sattler e o divertido matemático e teórico do caos Ian Malcom em Domínio, foi para encerrar o ciclo deles de forma razoável diante desses tantos anos que se passaram sem vê-los juntos. Já era de se esperar que não teríamos eles da mesma forma que vimos em Jurassic Park, já que ambos seguiram seu próprio rumo e as cenas de ação, seriam bem limitadas. Com bastante tempo na “estrada”, eles conhecem mais do que ninguém como é lidar com dinossauros “sem rumo” e por isso eles estão bem mais racionais, mas sem ter mudado a essência de cada um deles.

Cada um revive alguma passagem de Jurassic Park: o Alan Grant, por exemplo, além de fazer uma ponta sobre o encerramento do patrocínio (Jurassic Park 3), ele se corrige em uma afirmação que ele havia feito sobre como os velociraptors atacavam; a Ellie Sattler é mais implícita, trajando roupas das cores rosa e azul, ela revive o mesmo momento quando viu o Braquiossauro no antigo parque pela primeira vez, só que agora é ela olhando para a nova ameaça e o Ian Malcom revive uma cena fatídica de Alan Grant e reúne citações que ele pontuava sobre teoria do caos “(…) está brincado de Deus com seu novo parque” e “que a vida sempre dá um jeito”. O trio sendo colocado aqui ou não, não teria muita diferença para a nova história, já que os protagonistas da franquia atual poderiam resolver. Eles retornaram apenas por conta da no$talgia (o que não é surpresa para ninguém) e também aproveitaram para consertar algumas coisas que tiveram em Jurassic Park 3 e que muita gente não gostou.

Juntando o passado e o atual, eles tem que lutar contra um inimigo incomum e que cruza com os novos protagonistas da atual franquia: uma mega corporação farmacêutica liderada pelo agora CEO Lewis Dodgson (Campbell Scott) junto a seu pupilo Ramsy (Mamoudou Athie) que estão cuidando dos dinossauros e colocando-os o que seria um “santuário”. Inclusive na primeira parte do filme temos uma longa apresentação do lugar e dessa pessoa com o sobrenome bem conhecido: o CEO Lewis Dodgson é a junção dos “visionários bilionários” Steve Jobs e Elon Musk, com uma caracterização là Tim Cook (atual CEO da Apple) e portando sempre um objeto em formato de DNA. Não é de se esperar muita coisa vinda de um antigo vilão da franquia de Jurassic Park, já que ele foi um dos antagonistas “por debaixo do tapete” – que há duas grandes surpresas sutis que nos faz transportar a uma das cenas mais lembradas do primeiro filme. O que eles esqueceram era de desenvolver no personagem: como ele passou de chefe do departamento de pesquisas da Biosyn para CEO da mega corporação. Cometeu mais crimes? Teve suborno? Senti muita falta disso.

Outro personagem da franquia tanto original quanto atual é o Dr. Henry Wu (BD Wong), que surpreendentemente tem um desenvolvimento nesse filme e até uma lição é tirada disso. Ele está relacionado ao antagonista e responsável por mais um “experimento” que dá errado (para quem tem fobia de inseto, não indico esse filme pois há muitos, a ponto de ter cena parecida com o filme Os Pássaros, de Alfred Hitchock).

Agora falando sobre o “trio” dos protagonistas da franquial atual que aí começa a me incomodar ainda mais. A relação de Owen, Claire e Maisie é mais madura como uma família e por isso traz o assunto de maternidade e fraternidade para Claire e Owen pela primeira vez. Falando sobre a Claire, ela “deixou” de usar sapatos altos (bem quebrando o tabu), mas grande parte da sua personalidade não mudou e continuando sendo retratada como mulher insuportável, a que precisa ser salva – mesmo que ela tenha algumas cenas de liderança por contra própria, só que infelizmente ou felizmente a atuação da Bryce foi a melhor até agora.

Já a Maisie Lockwood teve uma história interessante e pouco desenvolvida por aqui. Seu plot é condizente da forma que foi apresentada para nós em Jurassic World: Reino Ameaçado, com uma camada mais profunda do porquê dela ser uma peça tão importante tanto para Claire e Owen quanto para Lewis Dodgson e Dr. Henry Wu nessa nova história. Se olharmos bem, a história que propuseram a ela é até preguiçosa, pois resolve duas histórias em uma só (a dela e do filhote da Blue).

Agora vamos para Owen. Com essa moda de colocar protagonista masculino já estabelecido em filmes de herói sendo herói em todos os filmes que ele faz, é um saco e aqui nada mudou. Até piora na verdade, pois o clichê no personagem chega a gritar com a fórmula de ser um ex-militar e por isso é “invencível”. Isso não deveria existir em um filme de dinossauros, um dos seres mais perigosos que já dominaram a Terra. O gosto que o público teve com Alan Grant na franquia original foi justamente essa: do personagem não ser o machão o tempo todo, o “invencível” e sabermos que ele pode perder uma perna, um braço. Já Owen é diferente, a gente não vê a possibilidade disso acontecer, desde o primeiro filme. Isso chega a ser extremamente patético e vergonhoso. Se era para ver essa patifaria, eu preferia torcer pro Dilophosaurus, com toda certeza. Eu sinceramente espero nunca mais ver essa cena na minha vida, inclusive.

Por uma diversidade menos apelativa…

A pauta diversidade está bem presente aqui, algo que durante toda a franquia não havia tido, agora tem – e bem entre aspas. Se você reparar bem, os novos protagonistas do filme são interpretados por atores negros que inclusive cada um é uma peça fundamental para o enredo… dos protagonistas principais.

Aparição de personagens negros como Ramsy e Kayla (DeWanda Wise) só serviram de escada para plots dos protagonistas, brancos. Há uma importância? Há sim, mas não de uma forma mais orgânica e com menos clichês como a Kayla que foi a mais estereotipada tanto na forma de falar como se comportar e olha que ela era dita inspirada por Indiana Jones. Pura coincidência também termos uma antagonista secundária chamada de Soyona Santos e interpretada por uma atriz do Nepal, a Dichen Lachman.

Zia (Daniella Pineda), Franklin (Justice Smith) e Barry (Omar Sy) voltam reprisando brevemente seus papéis na franquia, mas como personagens secundários e também servindo de escada.

Mas de todos, o que mais foi cara de pau e mais me incomodou foi uma cena em específico com Ian Malcom sendo o palestrando para um público de jovens que iriam mudar o mundo. Claramente o público não era apenas americano, mas sim do mundo inteiro e eles não seriam tão óbvios em dar close em cada integrante de um continente diferente, não é? Eles conseguiram ser óbvios e dar um close no rosto de uma asiática, um africano e outro que não dá muito para identificar se é latino ou asiático (no que poderia ser um indiano).

Se é para fazer algo escancarado assim, não faça. Se quer mostrar que uma palestra com jovens do mundo inteiro, apenas uma mostra das bandeiras de cada país já era ótimo.

Nem os dinossauros foram salvos…

Temos dinossauros emplumados como Therizinosaurus, um herbívoro ferozmente territorial com plumagem magnífica e garras curvas intimidantes; e o Pyroraptor um caçador de matilha inteligente; temos um antigo carnívoro que foi extinto antes dos aparecimentos dos dinossauros, o Dimetrodon; Quetzalcoatlus, um dos maiores animais voadores de todos os tempos e que faz qualquer pterodáctilo ser fichinha perto dele também está presente, temos Giganotossauro, o “maior carnívoro que já existiu” – segundo a história do filme e por fim o tão importante filhote da velociraptor Blue, que virou tão amada nessa nova franquia. Velhos conhecidos da franquia retornam, como a T-Rex e os Dilophosaurus (inclusive o karma nunca falha).

Todos esses novos dinossauros foram usados 100% CGI. Os animatrônicos foram usados em espécies pequenas de dinossauros, sendo eles passados na franquia ou não (é sempre fascinante olhar a perfeição que eles são e também dá até vontade de ter um).

Infelizmente por conta de todo o roteiro focar mais em apresentações e ligações das franquias atuais e passadas mais que na metade do filme, eles vieram um pouco atrasados junto com o ápice da nova história. Nem se tratando de dinossauros, eles foram tratados como tal por conta de heroismo desnecessário de protagonista.

Era como se os dinossauros ficassem em segundo plano, tratando do universo de Jurassic Park.

Conclusão

Aos fãs mais antigos, Domínio consegue encerrar o ciclo de Alan, Ellie e Ian em uma nova ameaça que eles ainda não haviam lidado e trazer elementos, resoluções do Universo de Jurassic Park com citações e objetos sutis. Já que eles queriam um retorno maior trazendo o trio carismático, pelo menos o ciclo deles não fora tão ruim, foi “ok”.

Hollywood parece que adotou o método de fazer reboots colocando antigas versões do passado com o presente (por exemplo O Mandaloriano, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, Ghostbusters: Mais Além) para aquela passada de “bastão”. O que pode ser ruim ou pode ser muito bom, depende de quem roteiriza, dirige e produz.

O épico que foi prometido não dominou nessa filme. Entre muitos subplots totalmente mal aproveitados e alguns esquecidos, muitas cenas de ação desenfreadas (e muitas desnecessárias), heroísmo exagerado e uma diversidade apenas para cumprir tabela, faz de Jurassic World: Domínio um filme bem mediano, mais do mesmo, onde trabalhar com nostalgia aqui não faria muita diferença. Era mais fácil deixar Sam Neill na fazenda dele cuidando dos seus animais na Nova Zelândia.

Pelo menos o que me deixa mais tranquila é que poderia ser pior como ‘Jurassic Park 3’, mas não foi (ainda bem).

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