ANÁLISE: A denúncia de Bom Dia, Verônica ao combate à violência contra a mulher

Bom Dia, Verônica/Netflix/Divulgação

Lançada em outubro pela Netflix, a série Bom Dia, Verônica foi um dos grandes sucessos da plataforma recentemente. E não é para menos. Além de trazer um grande destaque para as produções nacionais, com destaque às atuações de Tainá Müller, Camila Morgado e Eduardo Moscovis e à direção de José Henrique Fonseca, a série, que é baseada no livro homônimo de Ilana Casoy e Raphael Montes, explora as importantes (e pesadas) temáticas da violência doméstica e os diferentes tipos de violência contra a mulher. 

Tudo começa com o suicídio de uma mulher que não conseguiu fazer sua denúncia em plena delegacia de homicídios no primeiro episódio. Apesar da vontade dos delegados Carvana (Antônio Grassi) e Anita (Elisa Volpato) de abafar o caso da mídia, a escrivã Verônica Torres (Tainá Müller) sente-se obrigada a tomar frente das investigações (mesmo que clandestinamente). Ela então descobre que o caso trata-se de um homem que engana mulheres por meio de um site de namoros para dopá-las, roubar suas casas e ainda deixar uma foto das vítimas como lembrança de uma humilhação e ataque à sua fragilidade emocional. 

Paralelamente, acompanhamos a vida do casal Janete (Camila Morgado) e Brandão (Eduardo Moscovis) que, apesar de aparentemente simples e modesta, revela-se o grande auge da trama a cada episódio. Se num primeiro momento temos a impressão de que os problemas girariam em torno da dificuldade dela conseguir engravidar, logo de cara vemos que as coisas são bem mais sombrias. Além de sofrer diversos tipos de humilhações e agressões diariamente dentro de casa nas menores situações (como por uma comida que não agradou), Janete também é cúmplice – contra a sua vontade – de Brandão no sequestro de jovens moças vindas do Nordeste, que são violentadas e, depois, mortas por ele. A participação da moça torna-se ainda mais incômoda aos telespectadores pelo fato de ficar com uma caixa na cabeça enquanto tudo acontece em outro cômodo de um ambiente obscuro, porém não identificado. 

No entanto, se Janete parecia ter se conformado com a vida que levava, sem contato com outras pessoas, tudo muda quando ela vê Verônica na televisão fazendo um apelo para todas as mulheres que sentem-se abusadas de alguma forma fazerem a denúncia a ela. A partir daí as duas tramas conectam-se e, consequentemente, os episódios ficam mais e mais pesados. Retratado de forma explícita e, ao mesmo tempo, com a cautela da produção para não ir além da medida em relação a um tema tão sensível, o dia a dia de Janete faz um apelo aos diferentes tipos de violência contra a mulher e à importância da denúncia.

Para reforçar a importância de situações como as da série, no dia 25 de novembro acontece o Dia Internacional do Combate à Violência Contra a Mulher. A data foi criada em 1981 durante o Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em Bogotá, Colômbia, para homenagear as irmãs Patria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, que foram assassinadas de forma brutal pelo ditador Trujillo, na República Dominicana, no mesmo dia de 1960. Se na época o caso foi considerado um acidente, passou a ganhar a devida importância quando a ONU reconheceu e oficializou internacionalmente a data em 1999, como forma de estimular que os governos e sociedades realizassem eventos anuais para extinguir este problema.

Desde 1991, a campanha pelo Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher começa acontece no Brasil e no restante do mundo a partir do dia 25 de novembro e vai até o dia 10 de dezembro, sendo conhecida como 16 dias de ativismo, em que diferentes ações são promovidas para engajar e conscientizar a população sobre a importância de se prevenir e eliminar a violência contra a mulher, que se dá em diferentes âmbitos. 

[Atenção, a partir daqui o texto contém alguns spoilers da série] Segundo a Lei Maria da Penha, existem 5 tipos principais. A violência física se dá a partir de “qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher”; na série, isso é visível tanto quando Janete apanha de Brandão, quanto nos momentos em que ele corta o cabelo dela à força e a obriga a engolir o chip de seu celular clandestino. Já a violência psicológica, consiste em “qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. Além do momento em que Brandão humilha Janete durante um jantar, dizendo que ela não apenas não consegue lhe dar um filho, mas também

não sabe fazer um jantar minimamente decente, este tipo de violência acontece também quando ele coloca câmeras dentro de casa para monitorá-la enquanto está fora, e quando ele a proíbe de ter contato com a irmã Janice (Marina Provenzzano). 

A violência moral define-se por “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”, incluindo desde críticas mentirosas e xingamentos contra a mulher até desvalorização da vítima pelo seu modo de vestir, como ocorre com Janete quando ela aparece com um vestido novo e usando um batom, e é rebaixada por Brandão. Trata-se de violência patrimonial “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”, sendo retratada na série quando, por exemplo, quando após encontrar o celular secreto de Janete, o dinheiro que ela guardava a mais e a passagem de ônibus que sua irmã lhe deu, Brandão se descontrola e destrói tudo na frente da esposa. Por fim, a violência sexual é entendida como “qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força”, mostrada na trama a partir das ações de Brandão com as moças sequestradas na rodoviária e a obrigação de Janete em estar presente – mesmo que com a caixa na cabeça – nestes momentos.

Apesar do tema ser bastante grave, muitas vezes não é tratado com a devida importância, assim como em Bom Dia, Verônica, quando os casos de Janete e do stalker não são levados a sério pelos superiores da escrivã, que sente a necessidade constante de buscar justiça para as mulheres envolvidas. A importância da atuação de Verônica na série talvez seja, mais do que tudo, para mostrar às vítimas que não estão sozinhas e que, por mais difícil que pareça, assim como foi para Janete que, até então, nem se dava conta de sua realidade, é de extrema importância denunciar todo e qualquer tipo de violência.

Assim como a mensagem reforçada no final de cada episódio, “Se você ou alguém que você conhece sofre com violência e abuso, e precisa de ajuda para encontrar recursos de apoio, acesse https://www.wannatalkaboutit.com/br/, o Brasil conta com diversos mecanismos de proteção às mulheres, desde leis – como a Lei Maria da Penha, Lei Carolina Dieckmann, Lei Joanna Maranhão, Lei do feminicídio – e instituições, como a Delegacia de Defesa da Mulher, Casa da Mulher Brasileira e Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).

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