O combate à indústria pornográfica é um assunto que tem sido bastante debatido nas redes sociais nos últimos anos. Dentre os tópicos dessa conversa, há um argumento defendido, principalmente, por mulheres adeptas à diversas vertentes do feminismo: “pornografia é estupro filmado”. Estariam as defensoras dessa frase exagerando? A resposta, infelizmente, é não.
Para começo de conversa (ou de texto, nesse caso), a forma mais correta de discutir sobre esse assunto delicado é, definitivamente, dando voz a pessoas que, de alguma forma, já tiveram suas opiniões e desconfortos silenciados pelas instituições em questão. São muitos os exemplos que podem ser usados aqui, porém dois dos melhores são o problemático documentário Hot Girls Wanted, produção da Netflix que atraiu comentários bastante controversos do público, e o livro Down The Rabbit Hole, escrito pela ex garota da Playboy, Holly Madison.
Ambas as obras giram em torno do preceito de que é difícil convencer mulheres com sonhos, desejos e falta de oportunidades de que a pornografia não é o melhor caminho para uma vida melhor. Os salários prometidos impressionariam qualquer um, sem falar no luxo e no glamour prometidos, especialmente, às famigeradas “coelhinhas” da Playboy. Mas basta menos de um mês trabalhando nesse meio para essas meninas perceberem que não é bem assim.
“Muitas pessoas assumem que a Playboy foi minha benção, mas a maioria não sabe que também foi minha maldição”, afirma Madison.
A modelo conta que não foi paga pela primeira temporada de The Girls Next Door (seriado americano que se passava na mansão da Playboy, na Califórnia). Conta, também, que uma vez que a série foi renovada, eles a obrigaram a assinar um contrato que estabelecia que ela não poderia deixar seu relacionamento com o dono da mansão e criador da revista, Hugh Hefner. Foi enganada pelos residentes da Playboy a acreditar que as namoradas de Hugh eram apenas jóias para o velho, antes de ser empurrada para relações sexuais indesejadas quando estava bêbada. Seus movimentos foram constantemente monitorados, ela estava sujeita a um toque de recolher estrito, tinha acesso limitado ao mundo exterior e foi literalmente seguida pelos homens de Hefner em uma das únicas noites em que saiu de casa por conta própria. E esses acontecimentos são, provavelmente, apenas uma pequena parte dos diversos crimes que aconteciam ali.
Se as coisas já iam de mal a pior na Playboy, que era, e ainda é, uma empresa conhecida mundialmente, imagine a situação das garotas que trabalham com produtores amadores desse ramo. O documentário lançado pela Netflix mencionado alguns parágrafos atrás procura mostrar exatamente essa realidade, porém o faz de forma preguiçosa, e acaba por expor demais as mulheres que procura empoderar. A produção foi fortemente criticada por alguns grandes nomes da indústria e elogiado por outros, e mostra depoimentos de atrizes que, na época, ainda não tinham uma identidade tão conhecida pelo público.
“Eu não acho que estavam tentando fazer a indústria parecer pior”, disse a ex atriz pornô Brooklyn Daniels, em entrevista ao jornal Daily Dot. “Eu acredito que tudo o que eles fizeram foi mostrar um pouco melhor o lado ‘amador’ da pornografia, não falando dos grandes produtores e estrelas porque, convenhamos, eles fazem tudo muito mais certo do que os produtores amadores. Esse documentário apenas mostrou pras pessoas o que realmente acontece com a maioria das garotas na indústria. Não com todas.”.
Já que o longa dividiu bastante as opiniões das mulheres envolvidas, assisti-lo se torna um bom exercício de senso crítico em relação ao assunto discutido.*
O cenário pornográfico dos Estados Unidos é problemático, porém, de certa forma, chega a ser o menos pior de todos. Se as coisas já são ruins no país que é considerado por muitos o mais evoluído do mundo, o quão caóticas devem ser em países periféricos, como o Brasil? Vale lembrar que, aqui, o índice de transgêneros e de travestis que buscam sustento nesse meio é enorme, assim como a taxa de homicídios contra esses grupos. Não pode ser coincidência, né?
A verdade é que, independente do lugar ou da dimensão da indústria pornográfica, as vítimas sempre serão culpadas pelas atrocidades cometidas ali dentro. É hora de agirmos contra os empresários oportunistas que se escondem por trás desses filmes tão queridos por homens, e, infelizmente, mulheres, de todo o planeta. Destruir completamente um monopólio leva tempo, e, portanto, deve-se ao menos começar lutando pela regularização da situação das milhares de garotas que tiveram sua integridade abalada, por meio de violência física, jurídica, ou de, literalmente, qualquer outra.
Isso é o mínimo que nós, feministas e defensoras dos direitos humanos, devemos fazer por essa causa.
*Nota da autora: Eu nunca gostei de Hot Girls Wanted. Acho o jeito com o qual produziram esse filme uma bagunça, mas ele me ajudou a enxergar alguns pontos que eu não enxergava antes, mesmo que esses pontos fossem críticas que eu mesma tive, então eu recomendo ele pra quem tá começando a desconstrução sobre esse tema. De qualquer forma, continua sendo problemático para mim.