O filme Aos Nossos Filhos, distribuído pela Imovision e coproduzido pela Globo Filmes e Canal Brasil, estreia neste mês de julho nos cinemas brasileiros. Nele, Vera (Marieta Severo) é diretora de uma ONG que cuida de crianças soropositivas e, enquanto confronta seus traumas do período da ditadura militar, tenta encontrar um meio de melhorar a relação com sua filha Tânia (Laura Castro), casada há anos com Vanessa (Marta Nóbrega), que passam pela sua terceira tentativa de inseminação artificial.
A produção é adaptada de uma peça homônima escrita e protagonizada por Laura Castro, que também assina o roteiro do filme junto à Maria de Medeiros, atriz e diretora. Pela sinopse já fica claro que o material oferece um embate quase clássico dos últimos anos: o de gerações entre pais e filhos.
O longa-metragem é extremamente eficiente em apresentar as pequenas rachaduras de valores que todos os seres humanos possuem e não trata nunca seus personagens como mocinhos ou vilões – com exceção do bonzinho Fernando (José de Abreu), pai de Tânia e um dos dois homens adultos do elenco principal, que funciona exclusivamente como elemento de oposição à Vera e serve como vetor de conexão entre mãe e filha.
Comandar uma ONG e ser presa pelo DOPS (Delegacias de Ordem Política e Social) durante a ditadura militar por ter ideais progressistas não faz de Vera uma pessoa sem falhas graves. Suas atitudes e falas homofóbicas foram fatores essenciais no distanciamento da relação com a sua única filha viva. E o mesmo vale para Tânia, que de forma alguma recebe carta branca do roteiro por viver em um relacionamento homossexual. Ela também protagoniza suas próprias cenas de puro preconceito e atitudes tóxicas que não nos deixam ter grandes doses de empatia pela personagem.
Se o desenvolvimento da filha parte da inseminação artificial de sua parceira, o da mãe vem decorrente de seus traumas, que voltam à tona após a aparição de um homem que tem relação com seu passado. Esta trama, inclusive, acaba ficando um pouco sem fôlego em determinado momento e fica a sensação de que, para além da justificativa da dureza de Vera, pouco faz pelo enredo.
Outro grande tema que perpassa todo o filme é a importante discussão sobre escolha de maternidade: adoção vs inseminação. Aos Nossos Filhos não toma partido nessa questão e com a exposição das dores e belezas de cada opção, deixa a conclusão a cargo do telespectador.
Abordando temas importantes e que precisam ser discutidos, como o silêncio em torno da ditadura e suas torturas, os diferentes tipos de maternidade, HIV, herança psicológica e a necessidade de mulheres serem sempre muito fortes, ao final da produção a sensação que fica é de que alguns deles poderiam ter sido explorados mais profundamente, ainda que todos sejam relevantes e possuam seu papel dentro da trama.
Apesar disso, Aos Nossos Filhos é um filme eficiente no que se propõe e oferece uma bela possibilidade de autocrítica para núcleos burgueses progressistas, mostrando que mocinhos e vilões podem ficar para os filmes da Marvel e DC. Na vida real o que temos são mulheres “muito fortes e muito frágeis” que com seus inúmeros defeitos ainda têm muito a aprender, crescer e amadurecer umas com as outras.